«A operação política de Outubro não visou reverter a austeridade, mas reocupar o Estado, com dois fins: defender ou refazer clientelas, e reestabelecer uma cultura de restrição da propriedade e da iniciativa dos cidadãos.
Entretanto, o PCP acautelou os seus sindicatos contra privatizações, e o PS pôde começar a repovoar o aparelho de Estado. Tudo o mais é negociável com a Comissão Europeia. O governo e a sua maioria têm sido acusados de dar com uma mão e tirar com a outra, mas o que importa nessa ginástica não é quanto ganham as pessoas, mas que ganhem por vontade do poder político: o rendimento de cada cidadão não deve depender do seu esforço, mas da sua relação com o governo. O PS, PCP e BE nada têm contra quem ganha muito, desde que ganhe muito no Estado ou através do Estado. Banqueiros e empresários disponíveis para “parcerias” nunca terão dificuldades. (...)
A dependência dos cidadãos em relação ao Estado significa, em Portugal, a dependência do Estado em relação à Europa. Mas o governo e a sua maioria estão tranquilos: julgam que, dentro de certos limites de défice, a UE os há de tolerar, como tolera o Syriza na Grécia. Por isso, tudo é para os actuais governantes uma questão de convencerem os portugueses de que uma sociedade pobre e envelhecida não tem outra opção, a não ser a dependência, o respeitinho, e a vassalagem, e que, como era antigamente costume em Portugal, só “radicais” e “traidores à pátria” poderão pensar o contrário.»
Excerto de «O sistema de dependência nacional», Rui Ramos no Observador
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