25/12/2015

Pro memoria (279) – Banif, o presente de Natal socialista

Este ano, o socialismo deixou-nos no sapatinho o Banif
Com mais alguns factos, a dúvida original e a dúvida reformulada dissiparam-se. Em retrospectiva:
  • Desde 2013 o governo PSD-CDS entrou com 700 milhões para o capital do Banif, tornando-se accionista de 60%, e ainda fez um empréstimo de 125 milhões em obrigações CoCos convertíveis em capital;
  • Pelo caminho, a solução adoptada em 2014 para o BES foi intensamente atacada pelo PS, BE e PCP; 
  • Desde então o governo PSD-CDS tentou vender sem sucesso o Banif e foi empurrando com a barriga por cima do calendário eleitoral;
  • A TVI é uma participada da Media Capital cujo accionista maioritário com 95% é o grupo Prisa com ligações ao PSOE, partido irmão do PS; o 6.º maior accionista do Grupo Prisa é o Santander;
  • Recentemente, prosseguiam negociações entre o governo PS e vários bancos, incluindo o Santander;
  • Na noite do domingo dia 13, a TVI divulgou em nota de rodapé (uma forma impessoal muito conveniente de evitar ligar um rosto à notícia) «Banif: A TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do Banco»;
  • O Banif desmentiu de madrugada a notícia falsa do seu próximo encerramento; desmentido interpretado, como habitualmente, como uma confirmação;
  • Nos dias seguintes a cotação do Banif caiu praticamente para zero e inicia-se uma corrida ao banco sendo levantados 900 milhões durante a semana;
  • Na 4.ª feira 16, o BCE decide suspender o estatuto de contraparte do Banif cortando-lhe a possibilidade de financiamento; a partir daqui é a morte anunciada do Banif;
  • No fim de semana seguinte o governo PS negoceia em dois dias a venda da parte boa do Banif ao Santander por 150 milhões, tendo o Estado de injectar 1,7 mil milhões e o Fundo de Resolução 500 milhões;
  • A venda ao Santander é anunciada pelo Banco de Portugal nesse domingo às 23 horas;
  • Como se tudo já estivesse há muito preparado, 36 horas depois, já estava em curso por todo o país a mudança de imagem do Banif para Santander;
  • Mário Centeno salientou justamente uns dias depois que o seu governo «fez em três semanas o que o anterior não fez em três anos»: salvou accionistas, obrigacionistas e grandes depositantes e fez os contribuintes pagar 1,7 mil milhões de euros, pelo menos (recorde-se o caso BPN que Teixeira dos Santos começou por garantir que não custaria nada); 
  • Citando informação de Mário Centeno no parlamento (fonte): «o Banif tinha 356.457 depositantes, sendo que desses, havia 7411 acima de 100 mil euros. E desses, 6374 eram de particulares. Segundo Centeno, o montante médio dos depósitos acima de 100 mil era 283 mil euros.» De onde resulta que o total de depósitos acima de 100 mil euros era de 2,1 mil milhões de euros (=7.411x283.000), montante que foi poupado aos grandes depositantes pela resolução à custa dos milhões de contribuintes;
  • Em vigor a partir de 1 de Janeiro, a Banking Resolution and Recovery Directive, cujo propósito é a minimização dos prejuízos a serem suportados pelos Estados, ou seja pelos contribuintes, obrigaria à resolução do Banif em que seriam chamados a participar no bail-in os accionistas, os detentores de dívida subordinada e de dívida senior e os depositantes com mais de 100 mil euros;
  • A aplicação desta directiva no âmbito da união bancária poderia envolver a banca europeia que cobriria as perdas do Banif com o «inconveniente» do processo ficar sob o escrutínio do BCE e o risco dos escândalos;
  • Enquanto decorria a discussão do orçamento rectificativo para acomodar a resolução do Banif, Horta Osório, um antigo presidente do Santander Totta e actual presidente do Lloyd's Bank, tirou-se do seus cuidados em Londres e achou que deveria manifestar-se chocado e defendeu «que os contribuintes portugueses pelo menos merecem saber com transparência e rectidão exactamente o que aconteceu», como se a informação administrada aos contribuintes portugueses pelo governo PS, neste caso coligado com o PSD, não fosse transparente e recta;
  • Finalmente, foi aprovado na 4.ª feira o orçamento rectificativo do governo PS, com os votos contra do PCP e do BE, e a abstenção do PSD, tendo Passos Coelho explicado que «não teria uma solução muito diferente»; foi mais um exemplo da doutrina Mutual Assured Distraction (MAD) que impera na política portuguesa.
Perante estes factos, estou esclarecido e já poucas dúvidas me restam. Aproveito para especular sobre o pretexto para transformar os contribuintes em bombeiros do risco sistémico.

Um banco com 2,5% de quota de mercado representa um risco sistémico? Já é a segunda vez com bancos marginais no sistema e com o mesmo partido no governo – a primeira vez foi com o BPN, cuja factura à pala do risco sistémico irá superar os 7 mil milhões de euros.

A verdadeira questão não é quando está ou não em causa o risco sistémico. A verdadeira questão é como se minimiza o risco sistémico. Pelo menos já conhecemos duas maneiras de o incrementar:
  1. Criar nas cliques dirigentes dos bancos o sentimento de impunidade e nos clientes dos bancos a convicção que, chamando risco sistémico (whatever that means) à coisa que estiver à acontecer, os contribuintes pagam o prejuízo; 
  2. Continuar a autorizar reservas fraccionárias aos bancos, ou seja a admitir que os bancos emprestem dinheiro até um múltiplo (10 a 12 vezes) das reservas que dispõem nos bancos centrais. 
Talvez fazendo o contrário se conseguisse minimizar o risco sistémico. Mas quem está interessado nisso? Apenas uns milhões de contribuintes que preferem indignar-se quando os governos lhes vão aos bolsos e por isso não contam para nada.

Agora que já abri a prenda grande que o governo socialista me ofereceu neste Natal (uns milhares de euros, considerando a minha posição de médio accionista da Autoridade Tributária) e antes de abrir as prendas pequenas da família, vou especular sobre onde irão parar os milhares de milhões que o governo vai nos próximos anos extorquir aos papalvos à pala do Banif.

A resposta dos patetas varia, dependendo do grau de patetice, à volta de «eles», a corja, os banqueiros, os ricos, etc. Na verdade, a resposta é bem simples, desde que se façam as perguntas certas. Iniciemos, pois, a maiêutica socrática (do Sócrates da cicuta, não do das contas na Suíça).

A primeira pergunta é: porque ficou o Banif sem capital? Porque os activos ficaram menores do que os passivos. E porque ficaram os activos menores do que os passivos? Porque os activos diminuíram de valor (registaram imparidades, no jargão) e tiveram de ser criadas provisões (aumentando os passivos). Porque diminuiu o valor dos activos? Porque créditos de clientes se mostraram incobráveis por deixarem de pagar juros ou por outra razão. O que vai acontecer a esses créditos incobráveis? M de La Palice diria que não vão ser cobrados. E quem ganhará com isso? M de La Palice responderia outra vez: os credores inadimplentes, empresas e particulares ricos, remediados e pobres que assim receberão a dádiva que o governo socialista condenou os contribuintes a pagar-lhes. Pronto, agora já sabemos onde vão parar os milhares de milhões.

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