Este é um dos mitos recorrentes da economia de causas, construído com a ajuda da estatística de causas. Na sua versão mais geral é o mito do empobrecimento de todas as classes sociais com excepção daquela minoria dos 1% (ou 0,1% ou outra percentagem qualquer que dê jeito) cada vez mais fabulosamente ricos. Um dos expedientes mais comuns e simplórios para justificar o mito é confundir pobreza absoluta com pobreza relativa, ou seja concluir que certas classes de menores rendimento estão mais pobres porque a distribuição do rendimento se tornou mais desigual. Outras vezes os argumentos são um pouco mais sofisticados, como é o caso dos que Martin Feldstein desmonta no seu texto «Estão os salários da classe-média norte-americana a estagnar?», traduzido (mal) e publicado há tempos no Negócios do qual respiguei os excertos seguintes:
«É frequentemente dito que o rendimento médio das famílias subiu apenas ligeiramente, ou mesmo nada, nas últimas décadas. Alguns números dos Censos nos Estados Unidos parecem suportar tal conclusão. Mas as mais rigorosas estatísticas governamentais demonstram que os salários reais daqueles que se situam a meio da tabela da distribuição de rendimentos aumentaram cerca de 50% desde 1980. E um ajustamento mais apropriado face às alterações do custo de vida implica ganhos substancialmente maiores.
O Departamento de Estatísticas dos Estados Unidos estima o dinheiro que as famílias recebem de todo o tipo de fontes de rendimentos (…) Os números resultantes demonstram que o crescimento cumulativo desde 1984 até 2013 foi menor do que 10%, o equivalente a menos de 0,3% por ano.
Qualquer adulto que estivesse vivo nos Estados Unidos durante estas três décadas percebe que este número subavalia de forma grosseira as conquistas da família típica. Um exemplo que mostra que algo está errado com este número passa pelo facto de o Governo também estimar que a real compensação por hora de trabalho da força de trabalho, que não a do sector agrícola, cresceu 39% de 1985 a 2015.
A estimativa dos censos oficiais incorre em três falhas importantes. Para começar, falha em reconhecer as contínuas alterações da composição da população; as famílias de hoje são muito diferentes dos agregados familiares de há 30 anos. Além disso, a estimativa do Departamento de Estatísticas é excessivamente limitada, dado que as famílias da classe-média receberam transferências crescentes do Governo além de terem beneficiado de impostos sobre os rendimentos mais baixos. Finalmente, o índice de preços utilizado pelo Departamento de Estatísticas falha ao não reflectir as contribuições dos novos produtos e a melhoria dos mesmos para o padrão de vida das famílias norte-americanas.
(…)
Com a definição de rendimento em dinheiro, o CBO percebeu que o rendimento médio real das famílias cresceu apenas 15% entre 1980 e 2010, semelhante à estimativa do Departamento de Estatísticas. Mas quando alargaram a definição de rendimento, passando a incluir benefícios e reduções de impostos, descobriram que o rendimento médio real das famílias cresceu 45%. Ajustando este valor face à dimensão do agregado familiar fez com que o ganho subisse para 53%.
(…) Mas esse índice de preços não reflecte os novos produtos nem a melhoria nos bens e serviços existentes.
Assim, se os rendimentos em dinheiro de todas as pessoas crescerem 2% de um ano para o outro, e se o preço de todos os bens e serviços também crescer 2%, o cálculo oficial não irá mostrar nenhuma alteração nos rendimentos reais, mesmo que novos produtos e melhorias significativas na sua qualidade contribuíam para o nosso bem-estar. Na verdade, o Governo dos Estados Unidos não contabiliza, de forma alguma, o valor criado por serviços de internet como o Google e o Facebook, enquanto rendimento porque estes serviços não são comprados.
Ninguém sabe o quanto tais inovações e melhorias dos produtos acrescentou ao nosso bem-estar. Mas se os ganhos foram de apenas 1% ao ano, ao longo dos últimos 30 anos houve um ganho cumulativo de 35%. E combinando este valor com a estimativa do CBO de um ganho de cerca de 50% significa que o rendimento real médio das famílias cresceu perto de 2,5% ao ano ao longo dos últimos 30 anos.
Por isso a classe-média norte-americana tem passado muito melhor do que as estatísticas pessimistas mostram. E com melhores políticas, estas famílias pode fazer ainda melhor no futuro.»
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