06/11/2015

DIÁRIO DE BORDO: Contra as inevitabilidades marchar, marchar (2)

[Inesperada continuação de (1)]


«O meu grande problema com a actual esquerda nasce do desespero perante a impossibilidade de estabelecer os factos que deveriam preceder qualquer discussão. Refiro-me a factos objectivos, relacionados com a nossa capacidade de produzir riqueza, de pagar a dívida, de influenciar o rumo político em Bruxelas, de enfrentar a crise demográfica ou a sustentabilidade da Segurança Social. Estes factos não deveriam ter cor política. Deveriam ser neutros, e a ideologia começaria a ser debatida a partir do seu assentamento: temos estes números e estes problemas, agora vamos definir as políticas – mais à esquerda ou mais à direita – para lhes dar resposta.»

O parágrafo anterior é um excerto de  «O meu problema com a esquerda» de João Miguel Tavares no Público, um texto de uma rara combinação entre lucidez e humor que aponta a brincar a dificuldade de a esquerda (e de uma parte da direita, reconheça-se) lidar com a realidade e os factos. Devemos acrescentar que não é só a esquerda. É uma boa parte dos portugueses e é, também por isso, que as várias tendências da esquerda (com mais diferenças entre si do que as diferenças entre algumas tendências de esquerda e de direita) têm um acolhimento tendencialmente maioritário no eleitorado.

É também por isso, mas não só. Há uma outra razão: o pendor colectivista e corporativista da cultura portuguesa, a aceitação da asfixia da sociedade civil pelo estado, o ódio ao mercado e à concorrência, a preferência pelos direitos adquiridos em prejuízo das liberdades, pendor que é partilhado por quase toda a esquerda (e uma boa parte da direita).

Nessa dificuldade de lidar com a realidade e os factos se radica, possivelmente, a inclinação psicótica para uma indignação fundada na ignorância, no preconceito e na negação da realidade que percebi pela primeira vez há uns 40 anos – antes de ter nascido a maioria dos indignados, como aqui relatei.

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