O que o senhor chama de corporativismo?
Na linguagem do cotidiano, trata-se do esforço de um grupo para defender seus interesses acima de tudo, custe o que custar. Eu me refiro a algo mais amplo, um conjunto de práticas e valores. Há um elemento muito antigo no corporativismo, a ideia de que a economia e a sociedade funcionam como um corpo, em que cada "órgão" tem o seu papel. Essa ideia sofreu metamorfoses ao longo dos séculos e ganhou corolários até se articular, entre o fim do século XIX e o começo do XX, numa filosofia de resistência à economia moderna. A meu ver, a grande batalha do nosso tempo não é mais entre o capitalismo e o socialismo, mas entre os valores modernos da livre-iniciativa e da inovação, que estão no centro do capitalismo, e os valores reativos do corporativismo.
Que valores são esses?
No lugar da competição, o corporativismo prefere a coordenação e o controle da atividade econômica. Isso cria vínculos fortes entre o Estado e o setor empresarial, de forma que boa parte da atividade econômica depende de negociações com o governo e não da lógica do mercado. É o Estado que decide qual setor deve ou não crescer em determinado momento, lançando mão de subsídios, incentivos fiscais e empréstimos - em geral, para aqueles que conseguem se organizar melhor em defesa dos seus interesses, ou simplesmente gritar mais alto. Outro valor fundamental do corporativismo é a proteção social. Proteção para empresas, que conquistam reserva de mercado e não precisam se preocupar em melhorar seus produtos obsoletos, o que é devastador para a inovação. E proteção para os mais diversos grupos sociais, que abocanham uma fatia da riqueza produzida pelo país graças a políticas redistributivas. No corporativismo, a tributação é sempre elevada, para permitir que o Estado ofereça um quinhão a todos. É um sistema que sempre trabalha para manter a ordem estabelecida, o que em termos econômicos significa matar pela raiz os incentivos à inovação e à busca da competitividade. A atual crise grega mostra esse sistema em pleno funcionamento.
O corporativista e o socialista parecem ter muito em comum. O que os diferencia?
Do ponto de vista prático, o socialismo está acabado. A propriedade estatal dos meios de produção, que é um dos pilares do sistema, não é mais uma alternativa levada a sério. O corporativismo sempre quis algo um pouco diferente. Ele nunca rejeitou a propriedade privada, desde que houvesse uma medida considerável de controle da atividade econômica pelo Estado ou pela sociedade. O corporativismo está vivo onde quer que o governo beneficie uma empresa com incentivos especiais ou proteja um grupo de interesse. Quanto aos defensores de um sistema ou de outro, você provavelmente vai identificar o corporativista pelo seu viés nacionalista, pela sua preocupação em defender a "comunidade" de todas as forças externas que supostamente a ameaçam, ao passo que o socialista tenderá a ser mais preocupado com a desigualdade. Mas você tem razão: embora tenham filosofias diferentes, nem sempre é fácil distinguir um personagem do outro, porque ambos compartilham do mesmo ponto de partida, que é a aversão àquilo que o capitalismo tem de melhor, ou seja, sua instabilidade e seu caráter "disruptivo", para usar a palavra da moda.
Excertos da entrevista da Veja a Edmund Phelps, prémio Nobel da Economia de 2006
Obrigado por trazer este post. E eu que julgava ser dos poucos a negar a esquerda/direita como ultrapassada!Portugal é uma ex. completo do malificio das corporações, na educação, no SNS...no estado e partidos...
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