«Foi a partir desta premissa que George Orwell cunhou, nesse mesmo texto, uma das suas frases mais populares: “To see what is in front of one’s nose needs a constant struggle.” Em português: “É preciso uma luta constante para vermos o que está em frente do nosso nariz.” Ora, se não há dúvida de que eu só escrevo sobre o que está em frente do meu nariz, vocês não imaginam a quantidade de gente que tem uma enorme dificuldade em lidar com os seus narizes. Embora os cafés portugueses estejam, de facto, cheios de idiotas, como notou o leitor e muito bem, a triste verdade é que eles não passam o tempo todo a dizer o óbvio — os idiotas portugueses passam o tempo todo a negar o óbvio.
Se a política em Portugal fosse utilizada para discutir em detalhe as reformas que são necessárias para o país progredir, eu estava tramado. Não sei o suficiente sobre isso. Só que em Portugal a política serve para discutir se essas reformas são mesmo necessárias — e isso é tão óbvio, que eu safo-me. Se a política servisse para mudar a realidade que existe, eu estava tramado. Mas como ela serve para discutir a existência da realidade, isso é tão óbvio, que eu desenrasco. Quando surgir enfim o dia claro, em que toda a gente comece a ver o óbvio, não terei certamente lugar nos jornais. Só que convém esperar sentado: 70 anos depois de In Front of Your Nose ainda há imensas pessoas que continuam a não vislumbrar o frontispício da sua penca. E o azar delas é a minha sorte.»
«O óbvio», João Miguel Tavares no Público
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