20/05/2015

ARTIGO DE DEFUNTO: A arte de bem titular (8)

«Défice abaixo dos 3% já foi alcançado, não uma mas sete vezes» foi o título escolhido pelo jornalista de causas do Pravda Público para um artigo onde comenta a seguinte afirmação de Passos Coelho durante um jantar em Guimarães no sábado passado:
«Conseguimos também que o país pudesse ter em 2015, é isso que vamos conseguir, um défice inferior a 3% do PIB. É a primeira vez desde que nós integrámos a moeda única».
É um longo (600 palavras) e confuso artigo escrito com grande ripanço, dois dias depois do tal jantar, onde as 7 vezes a que se refere o título são contadas esticando o período de referência (até se concede a subtileza de considerar 01-01-1999 para a fixação dos câmbios em vez de  01-01-2002 para a entrada em circulação das notas e moedas) e considerando os défices antes das correcções do Eurostat - critério que, se o preso 44 e a sua engenharia contabilística ainda por cá andassem, permitiria ter os défices que o homem quisesse.

Finalmente, com má-fé quanto baste, socorre-se dos dados da Pordata para concluir que «há seis ocorrências de anos em que o défice esteve abaixo dos 3%. A primeira data do ano em que foi implantada a democracia, em 1974, as restantes cinco aconteceram nos últimos 20 anos». Não fora o seu presumível escrúpulo antifascista e até poderia incluir na contagem os défices do Botas e acrescentar mais umas dezenas de défices inferiores a 3% - excepto durante a guerra na maioria dos anos da «longa noite fascista» registaram-se superávits.

É claro que o facto de a referência de Passos Coelho ser ao período de vigência do euro e não aos últimos 20 ou 40 anos é irrelevante para a tese da criatura, como é ainda mais irrelevante o facto dos défices da Pordata serem em contabilidade pública e o que interessa em termos de UE é a contabilidade nacional (*). Ainda assim, desde 1999 há apenas 2 anos com défice em contabilidade pública inferiores a 3% - conferir aqui) e não há nenhum desde a entrada em circulação do euro em 2002 (provavelmente o período que Passos Coelhos teria em mente).

Eurostat
E, no entanto, seria tão fácil verificar se Passos Coelho teria asneirado de facto, o que tem acontecido, diga-se, com alguma frequência, mas isso está acima das competências do jornalismo de causas. Bastava ter consultado o Eurostat. Em seu benefício, e uma vez sem exemplo, poderá conferir o diagrama acima e concluir que se (um grande se) este ano o défice ficar abaixo de 3% será o primeiro desde a adopção do euro, seja lá o que isso for. Poderá aproveitar e confrontar-se com a sua incompetência/desonestidade (cortar conforme preferir).

(*) «Public deficit/surplus is defined in the Maastricht Treaty as general government net borrowing/lending according to the European System of Accounts. The general government sector comprises central government, state government, local government, and social security funds. The relevant definitions are provided in Council Regulation 479/2009, as amended» (Eurostat)

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