Continuação de (I)
«Os bancos centrais transformaram-se em verdadeiros departamentos centrais de planeamento das economias actuais.
Uma boa medida do poder dos bancos centrais é o peso de toda a dívida da economia em percentagem do PIB.
Portugal é o 7.º país da OCDE com maior dívida. O rácio da dívida global era, em 2013, de 868% do PIB contra 405% em 1995. O valor deste indicador mais do que duplicou em menos de 20 anos.
Mas estes valores e esta evolução não são originais - são o padrão como se poderá observar na tabela anexa.
De simples apêndices dos ministérios das Finanças, para facilitar o financiamento de Estados pouco volumosos, viraram verdadeiros departamentos centrais da economia - pretendendo controlar em detalhe o funcionamento do sistema financeiro e da economia em geral - no contexto de Estados de grande dimensão e de economias onde o sector financeiro ganhou um peso excessivo.
Os problemas do funcionamento dos bancos centrais são idênticos às dificuldades há muito conhecidas para o funcionamento das economias socialistas. A produção do conhecimento da natureza destes problemas foi marcado por três fases de um debate muito vivo que marcou o pensamento económico nos anos 1930.
Numa primeira hipótese, rapidamente abandonada, por indefensável, ousou-se pensar que o socialismo dispensaria o cálculo económico, bastando o trabalho do engenheiro em unidades físicas.
A segunda fase foi pautada pela ideia de que, sendo necessário o cálculo económico e não apenas físico, aquele poderia ser desenvolvido dispensando o mercado. O cálculo económico, a cargo de uma autoridade central teria à sua disposição um suficiente instrumental matemático: nada mais simples do que enunciar e resolver um mero sistema de equações simultâneas, por numerosas que elas fossem. Esta segunda fase foi mais difícil de ultrapassar. O argumento da dificuldade devida à existência de demasiadas equações com parâmetros constantemente em mudança demorou a ser reconhecido. Mas a entrada em cena de economistas socialistas (por exemplo, Oskar Lange e Fred Taylor) tecnicamente muito bem preparados ajudou a abandonar esta pretensão.
A terceira fase foi marcada pela proposta de Lange e Dickinson de definir um socialismo de concorrência ou de mercado: concedem ao mercado algum papel na determinação dos preços, mas recusam que o mercado determine directamente os preços e propõem a sua determinação por uma autoridade central e em que os dados de mercado é apenas uma das condições a ter em conta. Propõem a fixação centralizada dos preços - pelo processo de tentativa e erro já que aceitam a impossibilidade da solução matemática - deixando aos agentes o papel de se ajustar livremente.
Apesar do debate e dos esforços de alguns para contrariar a validade desta terceira solução de planeamento central (por exemplo, Hayek em 1940 em "Socialism Calculation: The Competitive 'Solution'") a realidade política não deixou terminar o debate e foi muito mais tarde a experimentação social que se encarregou de desempatar a controvérsia no fim da década 1980. Curiosamente, na mesma altura um novo impulso de planeamento central tomou forma - agora limitado à área financeira, mas alargado à generalidade das economias - com o formidável reforço dos bancos centrais que aparecem com poderes ampliados e aura de independência o que lhes confere um protagonismo que não tem parado de crescer.
Os problemas dos sistemas centralizados - como os bancos centrais - foram, há muito, teorizados e não se modificaram: tempo de ajustamento das variáveis fixadas e rapidez de reacção às constantes mudanças dos agentes. Como já nos anos 1930 fora notado, o problema principal não é o número de equações, mas a mudança constante das informações relevantes. Quando a informação chega, já os agentes mudaram de posição. O conhecimento relevante não poderá estar na posse de uma autoridade central: o sistema torna-se ineficiente, gera contradições crescentes e cria tensões que o poderão levar à implosão como o verificado, no fim da década 1980, nos sistemas de planeamento central na economia real.
As dificuldades teorizadas nos anos 30 estão a tornar-se cada vez mais evidentes e - tal como o planeamento na esfera real da economia - seguirá o seu caminho até os seus limites serem atingidos.
São indícios preocupantes deste caminho o prolongamento anormal da crise e o acentuar dos problemas na esfera financeira com as sucessivas fugas em frente das políticas monetárias expansionistas em contradição com políticas macro prudenciais restritivas.
Os bancos centrais ficaram encurralados num quadro que repete um modelo cujo destino é conhecido.»
«Para compreender o estertor do Banco de Portugal (I)», Avelino de Jesus no negócios online
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