27/11/2014

Dúvidas (64) - A propósito da detenção de José Sócrates

«1) Não é contraditório toda a gente reclamar que há imensa corrupção sem ninguém ir preso e, quando alguém vai preso por corrupção, discutir-se não este facto essencial, mas a forma?

2) Não é contraditório achar-se que o enriquecimento ilícito deve ser combatido e quando alguém se torna o mostruário de um enriquecimento inexplicável (o próprio explica-o canhestramente) discutir-se se as detenções devem ser à porta do avião ou à porta de casa?

3) Não é contraditório dizer-se que a Comunicação Social não investiga e quando a Comunicação Social dá informação achar que toda ela é proveniente de polícias, juízes e magistrados? (Já agora podem explicar-me como haveria caso Watergate se ninguém 'de dentro' do sistema denunciasse)?

4) Não é contraditório, num processo que anda a ser investigado há um ano, invocar, como fez o juiz Carlos Teixeira, a sua especial complexidade para ainda alargar os prazos de investigação?

5) Não é contraditório deter um ex-primeiro-ministro antes de qualquer julgamento, sem explicar a necessidade de ele estar detido mesmo depois de, aparentemente, já terem sido apurados os principais indícios de crime?

6) Não é contraditório que haja certos comentadores - por todos os jornais, incluindo este - preocupados com José Sócrates e não terem uma palavra quando os arguidos são ilustres desconhecidos ou se movimentam fora dos circuitos elegantes de Lisboa (bem lembro do que escrevi sobre as violações dos direitos de Bibi ou de Leonor Cipriano, entre outros, sem que houvesse muita gente a ligar a tais minudências)?

7) Não é contraditório que depois de tantas denúncias feitas na Comunicação Social sobre o estilo, o modo de ser, a irascibilidade, a falta de veracidade, a implacabilidade de José Sócrates, se venha agora ensaiar uma grande surpresa, como se Sócrates não tivesse sido um caso singular (pelo comportamento e pela forma de agir, que não pela ação política) na nossa democracia?

8) Não é estranho que ninguém se lembre agora da oposição pessoal de Sócrates ao pacote anticorrupção de João Cravinho?

9) Não é estranho que já ninguém se lembre que o afastamento do primeiro escolhido por Sócrates, como ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, se ficasse a dever à política das grandes obras?

Outras questões existem que não têm sido colocadas, nomeadamente sobre a obstinação do ex-primeiro-ministro, que levou ao seu fiel segundo ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, a ter de agir por conta e risco para não deixar o país falir. Mas tudo isto parece estar esquecido, assim como as pressões inacreditáveis de Sócrates sobre a Comunicação Social (sei do que falo). Agora apenas parece haver um homem numa cela, com um passado tão irrepreensível que os bem pensantes ficam chocados com a sua detenção.
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«Contradições e perplexidades na detenção de Sócrates», Henrique Monteiro no seu blogue no Expresso

A propósito destas perguntas, ou melhor da visão que lhes está subjacente, contraste-se com a visão de Joaquim do Portugal Contemporâneo que liminarmente repudia a prisão preventiva per se e, portanto, também quando aplicada a José Sócrates. Como todos os paradigmas absolutos é muito sedutor mas inaplicável no mundo real - o próprio Joaquim desde logo reconhece a inaplicabilidade do absoluto ao excepcionar os «casos de violência». Imagine-se o potencial destrutivo de provas e de pressão sobre o aparelho judicial e os mídia de um José Sócrates em liberdade...

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