«A vida vai correr-nos bem, portanto, em 2014. Tudo junto, a economia portuguesa vai beneficiar de compras que excedem em 5530 milhões de euros, as realizadas em 2013 - 3565 milhões de euros vindos do estrangeiro e 1965 milhões de euros vindos das famílias, das empresas e do Estado residentes. Para quem teve, em 2013, um PIB de 165.666 milhões de euros, este acréscimo de procura determinaria uma taxa de crescimento de 3,3%, acima dos míticos 3% de que tanto falamos.
O ânimo esmorece-nos quando damos conta de que, nestes novos 5530 milhões de euros de compras, as empresas residentes não se mostram capazes de satisfazer mais do que 1996 milhões de euros. Na falta de oferta interna, o resto, leia-se 3534 milhões de euros vai ter de ser satisfeito por importações. E, com isto, os belos 3.3% transformam-se nuns modestos 1,2% de taxa de crescimento. Não nos faltará procura; falta-nos oferta, com o que desperdiçaremos 64 % do potencial de crescimento prometido pelo aumento da procura interna e externa, em 2014. Sucederá o mesmo em 2015 e em 2016.
Gosto de histórias e de contar histórias. Cada uma pode ser contada de muitas maneiras, e cada um conta-a à sua maneira. Por isso é que há bons e maus contadores de histórias. Ou é por isso que, em regime de mercado (nas histórias que se contam, como na política), cada contador de histórias tem os seus clientes, quem goste mais e quem goste menos das suas histórias e da forma como as conta.
Esta é a minha história. Espero que gostem. Diz muito, ou pelo menos alguma coisa, sobre aqueles que passam o tempo e ganham a vida a dizerem que nos falta procura - por causa da troika, do Governo, da austeridade. Penso, pelo contrário, que nos falta oferta, e que é nisso que deveríamos concentrar-nos.»
Esta é a história de Daniel Bessa (um dos pouquíssimos economistas mediáticos de quem se pode escrever o mesmo que escrevi sobre Tavares Moreira: passou pela política mantendo a clarividência e a integridade), na sua coluna na página 3 do Expresso.
Não é difícil compreender que numa economia como a portuguesa, onde o governo não dispõe dos instrumentos de política monetária, cada vez que se puxa pela procura (à custa do aumento da despesa pública corrente ou despesa de «investimento» o que vem a dar quase o mesmo), aumenta o défice orçamental e de seguida a dívida pública, aumentam as importações para satisfazer uma procura com oferta interna insuficiente, degradam-se as contas externas, aumenta o endividamento ao exterior… Em suma, percorre-se o caminho já percorrido com as consequências conhecidas.
Se se quiser explicar, sem recurso ao economês e às abstracções macroeconómicas, podemos imaginar prosaicamente que a maior parte do estímulo à procura quando chega aos bolsos das famílias não vai ser usado para comprar mais couves ou tomates do Oeste, ou mais baldes de plástico da Marinha Grande, ou louças das Caldas, ou mais roupas fabricadas no Vale do Ave. Vai ser gasto para comprar carros alemães (e franceses e italianos), telemóveis finlandeses ou coreanos, computadores japoneses e chineses, software americano, electrodomésticos alemães (somos em termos relativos os maiores compradores da Bimby, um produto da Vorwerk), italianos ou coreanos e nas férias no nordeste brasileiro e em cruzeiros.
E como se sai deste círculo vicioso? Aumentando a capacidade de produção de bens e serviços. E como se faz isso sem investimento? Não se faz. E como se conseguem os carcanhóis para investir? Não há escolha: poupando. Pode-se usar a nossa poupança ou poupança dos outros, neste caso endividando-nos ainda mais, ou combinando as duas.
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