Depois do funeral de Nelson Mandela talvez já se possa analisar com alguma serenidade os equívocos a seu respeito. Um deles é o da esquerda o ter celebrado como um dos seus. Será mesmo?
Mandela, quando foi preso pela primeira vez em 1956 aos 38 anos, poderia ser classificado como um comunista adepto da luta armada? Certamente. Mandela, como qualquer outro patriota que lutasse pela independência do seu país ou em concreto pelo fim do regime de apartheid no contexto da guerra fria dificilmente poderia escapar ao maniqueísmo então prevalecente e não alinhar com uma das superpotências e a sua doutrina oficial. Com toda a naturalidade, Mandela e dezenas de outros líderes africanos e asiáticos alinharam pelo império dos sovietes e consideram-se ou foram considerados próximos de uma das variantes do marxismo militante.
O Mandela que em 1990 foi libertado com 72 anos era ainda um comunista? Tudo o que ele fez, não fez (durante os seus mandatos como presidente não nacionalizou uma só empresa) e defendeu depois disso e o seu papel na transição do fim do apartheid para uma sociedade multiracial mostram claramente que não. Talvez para isso tivessem contribuído as suas conversações com os líderes dos partidos comunistas chinês e vietnamita que lhe terão dito «We are currently striving to privatize state enterprises and invite private enterprise into our economies. We are Communist Party governments, and you are a leader of a national liberation movement. Why are you talking about nationalization?» (aqui citado, via Portugal Contemporâneo).
Certamente abandonou o comunismo e até é duvidoso que Mandela continuasse a partilhar da doutrina e das idiossincrasias típicas da esquerda. Podem alinhar-se vários argumentos, mas vou usar só um: seria concebível um Mandela identificado com o ideário das esquerdas africanas do ANC ter defendido, contra toda a cúpula do partido que escolheu Thabo Mbeki, que o seu sucessor deveria ser Cyril Ramaphosa, actualmente um dos mais bem sucedidos homens de negócios da África do Sul?
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