Califórnia ou Flórida
«O Algarve regista este ano um assinalável boom turístico. São obviamente boas notícias numa óptica conjuntural - veja-se o impacto na redução do desemprego - mas relembram-nos aquilo que são importantes trunfos do nosso país, quando comparado com destinos alternativos: a paz social e a hospitalidade das gentes.
A inteligência nacional convive mal com o conceito de país cuja principal vantagem competitiva são atributos 'dados por Deus': a terra, o mar, o clima e as gentes. O editorial do Público de 19 de Agosto expressa com transparência este desconforto. Cito: «O turismo como a agricultura está em alta. Boa notícia, mas um dia o país terá de regressar à ciência». Caricaturando - mas apenas ligeiramente -, o modelo 'Flórida' seria útil numa conjuntura difícil enquanto não podemos investir a sério na ciência e no empreendedorismo tecnológico, ou seja, enquanto não pudermos regressar (?) à senda da Califórnia (ou do Silicon Valley) europeia iniciada nos governos de José Sócrates.
Um 'modelo de crescimento baseado na ciência' exige mais do que a criação de algumas empresas 'giras', que geram escassas centenas de empregos. Exige muitas coisas, em particular uma força de trabalho muito qualificada, que Portugal não tem nem terá em décadas (somos o país da OCDE com a menor percentagem de adultos com o ensino secundário completo). Entendo que a inteligência nacional atribua um valor estético superior ao progresso baseado na ciência do que ao baseado na hospitalidade.
Mas não devemos confundir preferências com realidades. Custa muito caro, e está destinado ao falhanço. Sobretudo não devemos escarnecer factores únicos de vantagem competitiva que também permitem, como a Flórida mostra, alicerçar modelos geradores de grande prosperidade.»
José Ferreira Machado, director da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, no SOL
É cada palhaço armado em inteligente.
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