26/06/2013

SERVIÇO PÚBLICO: Um bálsamo de lucidez num deserto de ideias encharcado de oportunismo e cobardia

Vítor Bento é das poucas luminárias do regime com lucidez e coragem para dizer e escrever verdades impopulares que as outras luminárias omitem nos seus exercícios cobardes de dar graxa ao pior dos portugueses. Vale a pena ler o seu artigo de hoje «O desafio do regime» no Económico.

«Quando a reforma do Estado agita o espaço público, pode ser útil reflectir para além da espuma imediata e tentar perceber a margem de manobra do que, um pouco tecnocraticamente, se poderá apelidar de “o modelo de negócio” do actual regime político.
Quanto se iniciou o regime, em 1974, a dívida pública correspondia a cerca de 15% do PIB. Actualmente, os números oficiais situam-na acima dos 120%, o que já é suficiente para questionar a sua sustentabilidade. A diferença acumulada sugere o que tem sido o "modelo de negócio" do regime: a venda de promessas a crédito, ou, dito de outro modo, gastar por conta do futuro.

Mas, mesmo assim, essa diferença fica muito aquém da verdadeira extensão dos recursos não contemporâneos (riqueza do passado ou do futuro) gastos pelo Estado durante esse período. Para uma ideia mais aproximada dessa extensão haverá que adicionar-lhe a receita - entretanto consumida - das privatizações (de riqueza que o Estado expropriou sem pagar). Assim como se lhe deverá juntar-se-lhe o que a inflação do primeiro quartel do regime, apoiada na repressão das taxas de juro, permitiu confiscar aos credores, subtraindo-o do rácio da dívida.
Somando tudo isso - e deixando ainda de fora as PPP, entre outras coisas menores - chega-se facilmente a um rácio da ordem dos 200% do PIB. Ou seja, nos quase 40 anos de vida do regime, o Estado foi gastando por conta de riqueza futura ou de expropriação de riqueza acumulada, o equivalente à diferença que vai de 15% a 200% do PIB.
Não é preciso ser economista para perceber que, com aqueles números, este "modelo de negócio" está exaurido. E não é preciso ser marxista erudito nas leis do materialismo dialético - nomeadamente a da transformação da quantidade em qualidade - para perceber a alteração qualitativa que aquela acumulação de quantidade impõe à gestão do Estado.
Por conseguinte, o problema económico que o País tem pela frente é também um desafio político: o da alteração do "modelo de negócio" do regime. O que exige aos seus agentes - a classe política que disputa a sua gestão e os eleitores que escolhem quem o gere - que se habituem a viver com um Estado que, por muitos, muitos anos, não poderá, em cada ano, distribuir mais do que cobra em receitas orçamentais (i.e. que não poderá voltar a ter continuamente orçamentos deficitários).
O desafio é incontornável, mas a mudança de quadro mental e a radical contenção de expectativas que exige é de uma grande violência para quem se habituou, ao longo de quatro décadas - que praticamente correspondem a duas gerações -, a funcionar em condições quase diametralmente opostas.
Talvez por isso, os sinais da agitação pública sugerem que essa exigência ainda não foi compreendida, seja pela classe política, seja pelos eleitores (tomando a "opinião pública" como sua representação), pois que ambos parecem continuar a manter fortemente enraizada a ilusão de que o Estado dispõe de recursos ilimitados.
Talvez por isso também, muitos queiram ver a reestruturação da dívida - reduzindo a "quilometragem no contador" - ou a saída do euro - com a possibilidade de voltar a confiscar recursos por meio da inflação - como a via para escapar àquele desafio, recuperando da sua exaustão o descrito "modelo de negócio" do regime. Esperança vã, porém, porque a História não anda para trás e as condições do futuro nunca são as do passado, como, mais uma vez, explica a dialética marxista. E como a demografia se encarrega de não nos deixar esquecer.»

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