A raiz da austeridade
«Que mal fiz eu para me cair em cima esta austeridade? Por que sobem tanto os meus impostos e me cortam cada vez mais benefícios sociais?
Há muitos portugueses a fazerem estas perguntas. Não compreendem o motivo da austeridade, o que torna ainda mais doloroso suportá-la. O Governo foi parco em pedagogia e a maior parte dos 'media' é mais sensacionalista do que pedagógica.
Tirando as famílias sobre-endividadas e os gestores de numerosas empresas do nosso país - as mais endividadas da Europa -, a maioria da população não entende, nem, talvez, queira entender o que significa a dívida de Portugal. Prefere protestar. Curiosamente, não protesta contra quem nos colocou nesta situação.
O PS fala no crescimento económico, mas não explica como irá financiá-lo, se e quando for governo. Aparentemente, será através de mais dívida. Ora essa fórmula não resultou, antes pelo contrário, na primeira década deste século, ao longo da qual a economia portuguesa cresceu apenas à média de 0,5% ao ano, apesar das grandes obras públicas. Agora o crédito é escasso e caro. E aumentar uma dívida pública que já passou os 120% do PIB é suicidário.
O caso das auto-estradas e das Scut (originalmente sem encargos para o utilizador) é exemplar. Antes da crise, Portugal tinha 28,5 km de auto-estradas por mil km quadrados de área, contra 20 km em França e de 22 em Itália. A Irlanda e a Grécia tinham, respectivamente, 6 e 8km.
Nessa altura, Portugal possuía o terceiro maior número de carros por mil habitantes da Europa (depois da Itália e do Luxemburgo), estando longe de ser o terceiro país mais rico da UE. Atingimos, assim, 2,5 km de auto-estradas por dez mil habitantes, contra 1,5 km na Alemanha, 1,4 km na Finlândia, 0,5 km no Reino Unido, etc. Essa loucura levou o país a gastar em auto-estradas cerca de três vezes mais do que a média da UE, em percentagem do PIB. Como muitas das nossas auto-estradas resultaram de parcerias público-privadas escandalosamente prejudiciais para o Estado, as próximas gerações terão às suas costas uma tremenda herança de encargos, apesar das reduções já conseguidas.
Mas, ao menos, terá tido alguma utilidade este investimento a crédito nas auto-estradas? Poucos carros lá passam hoje e não só por causa das portagens e da crise. Essas vias de luxo não desenvolveram o interior. E o transporte de mercadorias não beneficiou grande coisa com elas.
O prof. Avelino de Jesus notava em 2008, no Jornal de Negócios, que nos anteriores 15 anos, enquanto Portugal aumentou a rede de auto-estradas em 480% e o volume de mercadorias transportadas em 28,5 %, a Espanha aumentou a sua rede de auto-estradas em 130%e o volume de mercadorias transportadas em 121 %. Acresce que, segundo o mesmo artigo, na UE as auto-estradas representam 1,2% da rede viária, enquanto em Portugal representam 2,3 %. Ou seja, «temos auto-estradas a mais e vulgares estradas a menos».
Felizmente, conseguiu-se evitar o TGV, que nem sequer pagaria os custos operacionais, quanto mais os do investimento. Mas o irrealismo dos entusiastas dos grandes projectos era tal que o então ministro da Economia, o prof. António Mendonça, justificou o TGV com a grande quantidade de espanhóis que nele viria tomar banho à praia da Caparica, regressando a Madrid ao fim da tarde.»
Francisco Sarsfield Cabral no SOL
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