Fascículos anteriores: (1), (2), (3) e (4)
[Em rigoroso exclusivo, o (Im)pertinências continua a publicar em fascículos o paper «Teoria Geral da História de Portus Cale e Arredores à luz do Axioma de Sócrates-Passos» do detractor e amigo Pai Silva.
Nos fascículos anteriores foi tratada a axiomática e enunciados o axioma de Sócrates-Passos e um axioma popular conexo, penetrado o núcleo da tese com a abordagem à fundação de Portus Cale e tratados em particular os protagonistas - em rigor mais figurões do que protagonistas e também as classes sociais. Hoje o Autor trata do Senhor Afonso e dos seus herdeiros mais imediatos.]
Há decisões que não carecem de ser tomadas: impõem-se por elas próprias. É o caso que vamos ver.
Ao senhor Afonso, se se virasse para leste, nada se lhe afigurava de promissor: dava de trombas com os Castelhanos, bastante mais fortes e com um feitio intratável e, ainda por cima, com uma camada de espinhos que ele lhes tinha cravado no lombo, daqueles que dão uma comichão danada. Virando-se para oeste era o mesmo: nem barcos, nem remos, nem marinheiros para chatear o corso que por aqueles lados fazia pela vida à custa da vida de quem estava em terra, além de que agoniava-se com o balançar contínuo de cada vez que entrava num bote.
A sul os mouros tinham-se enfiado de moto próprio no buraco depois de terem atingido um esplendoroso auge civilizacional em Córdova. A mourama estava em fanicos e era por ali que o senhor Afonso, a par dos seus iguais ibéricos, iria tentar tirar a choldra do buraco. O projecto tinha o nome pomposo de Reconquista.
O senhor Afonso e os seus herdeiros em lugar de procurar uma solução civilizada, brutalmente proveitosa e simples e para o que se requeria tão somente aprender a viver com o próximo e com a diferença segundo as recomendações dos Livros então em vigor, consistindo nisto (imaginem!), aproveitar os méritos da mourama e que eram muitos, adicionando-os aos da sua gente que eram poucos, mas porque tinha jeito e gosto virou-se para o lado da traulitada e baseou a reconquista numa ideia primária, fácil mas estúpida (de facto apesar de grande devia ter um crânio minúsculo): razia e saque sobre os mouros quando estava na mó de cima. Ora, porque quem com ferro mata com ferro morre, sempre que por qualquer sorte ou azar cabia aos mouros a vez de ficarem na mó de cima, eram estes que sem contemplações se dedicavam a pagar ao senhor Afonso e seus legítimos herdeiros com a mesma moeda: razia e saque. Por este processo rápido e eficiente se desertificava o território e uns, os portucalenses, e outros, os mouros, tinham assegurada a permanência no buraco em troca de qualquer coisa que poderia ter sido a mais brilhante civilização que alguma vez chegara ao mundo pelo menos até àquela data. A permanência da Choldra no buraco manteve-se até cerca de 1253 quando o senhor Afonso, o terceiro da lista, depois dos Sanchos que foram dois, conquistou definitivamente Silves à mourama e com a cidade todo o Algarve. Isto contra a vontade dos castelhanos que entendiam que aquilo era terra deles (pormenor não despiciendo). Foi um trabalho dos demónios convencê-los do contrário.
Com o Algarve acabavam as veleidades de continuar a aplicar, sem outra preocupação, o método da traulitada, todavia, o problema, depois de longos anos, continuava a ser o de estarem enfiados no buraco, ou seja, pobres como Job. Por falta de mais território disponível, nem o senhor Afonso nem os seus legítimos herdeiros se sentiam com estaleca para, com a mesma receita, virarem-se para os castelhanos pelo que a solução foi fazerem qualquer outra coisa pela vidinha em que a traulitada não fosse a estratégia fundamental, pelo menos a longo prazo mas obviamente não a pondo de lado em circunstância alguma. A solução que lhes pareceu possível foi arranjarem uns barquitos e virarem-se para o corso que era muito melhor do que nada, era até o melhor de tudo, tinha porém o enorme inconveniente dos riscos (traulitava-se muito mas era-se traulitado pela mesma medida) pelo que, a choldra ou parte dela, de pescadores fizeram-se mercadores-navegadores e começaram a transportar umas tralhas que faziam falta nos nortes (da Europa), como seja o sal, algum vinho e tudo o que calhasse e de volta traziam o que o condado carecia urgentemente como de pão para a boca, caso dos artigos de luxo da época vg as fazendas inglesas. Como se vê, não se mudou muito. A operação era oleada e facilitada pela orientação, financiamento e obviamente vantagem da minoria judaica e assim nasceu e se desenvolveu uma burguesia mercantil que permitiu sair do buraco em total e absoluta concordância com a primeira parte do Axioma (ex aforismo): não há mal que sempre dure.
(Continua)
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