Fascículos anteriores: (1), (2), (3), (4), (5), (6) e (7)
[Em rigoroso exclusivo, o (Im)pertinências continua a publicar em fascículos o paper «Teoria Geral da História de Portus Cale e Arredores à luz do Axioma de Sócrates-Passos» do detractor e amigo Pai Silva.
Nos fascículos anteriores foi tratada a axiomática, abordada a fundação de Portus Cale, tratados os protagonistas fundadores e os seus herdeiros menos imediatos até àquele que um dia deverá regressar embuçado, entre outros temas obscuros saídos dos delírios criativos do Autor. Este fascículo trata dos poderes temporais a que se costuma chamar espirituais.]
O bispo ou o abade, presumimos nós assim porque, se hoje se funciona deste modo, é porque dantes acontecia o mesmo, tinha o cuidado de informar o já adquirente de uma indulgência que tinha de ter algum cuidado e prudência porque aquela só o protegia daquele pecado e não doutro. Se não cuidasse de se analisar bem e verificar consistentemente quais eram os seus pecados conviria que o fizesse e comprasse as indulgências, necessárias e suficientes, para cobrir todos os pecados que ao longo da vida tenha cometido. Por via desta simples mas eloquente técnica de venda não eram poucos os abades e sobretudo os bispos que não vendiam a tarifa inteirinha e aí não havia maneira de pegar a alma no outro mundo na hora do Juízo Final. Um descanso.
A sofisticação porém era muitíssimo maior. A certa altura a Direcção da força de vendas do Império Católico concebeu dois produtos com um potencial absolutamente fantástico. Um dos produtos resolvia por antecipação o problema dos que não tendo pecado tinham a ideia clara de que o iriam cometer mais cedo ou mais tarde, então a nova indulgência, necessariamente mais cara (bastante mais), cobria também os pecados que viessem a ser cometidos pela alminha de Deus que comprava aquele título. O outro produto, verdadeiramente topo de gama, consistia em perdoar a priori todos os pecados cometidos pelo adquirente e ou pelos seus descendentes até à quina geração. Claro que o preço de tamanha indulgência teria de dar, pelo menos, para construir uma catedral tal o calibre dos pecados a que aquelas gentes de antanho recorriam para resolver as suas dificuldades.
Uma questão que não foi nunca abordada pelo Império Católico e portanto permanece por esclarecer: haverá do Juízo Final recurso para um tribunal superior? Se houver, temo uma consequência importante: toda a gente que comprou indulgências e muito mais toda a gente que as vendeu, vai dar direitinha com os costados nos quintos do Inferno.
Esta longa explanação das indulgências tem a finalidade de informar tudo e todos que o senhor Martinho, por boas ou más razões, coisa que não averiguei e não sei, discordou totalmente deste vantajoso e honesto negócio e com esta birra, tipicamente germânica, iniciou a chamada Reforma e deu o primeiro empurrão do Império Católico em direcção ao buraco por via do comportamento correctíssimo do senhor Leão X que declinou acabar com a venda de indulgências sem as quais, por exemplo a Santa Madre ficava simplesmente sem orçamento, coisa nunca vista nem antes nem depois da Reforma ou da Contra-Reforma ou doutro evento qualquer que queiramos invocar.
Esta infeliz circunstância permitiu o advento de dois processos cruciais para os interesses dos portucalenses. Os súbditos da suserania do Papa desentenderam-se e metade (os do norte da Europa) bateu a asa da agradável, doce e afectuosa protecção papal e deram em protestantes. Como os nossos amigos aqui ao lado eram os paladinos da protecção papal em toda a Europa, grosso modo os do norte, agora ditos protestantes, desataram à traulitada nestes irascíveis vizinhos ibéricos. Em consequência destas questiúnculas familiares os catalães entenderam que queriam ser independentes dos castelhanos, acto louvável de brio, coragem e clarividência e revoltaram-se apoiados pelos protestantes de lá de cima.
(Continua)
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