Dissecação anterior: Logo se vê.
«Depois deste introito (na entrevista à RTP), Sócrates atacou os que criticaram o seu regresso à TV, dizendo que o queriam calar, que pretendiam impedi-lo de se defender, que tal era antidemocrático e mostrava «o carácter dessa gente». Ele seria incapaz de fazer o mesmo a alguém. Neste ponto da entrevista, senti um sobressalto: mas, afinal, quem pressionou a TVI para afastar Manuela Moura Guedes? Quem manobrou para pôr José Manuel Fernandes fora do Público? E Mário Crespo fora da SIC! Quem enviou Rui Pedro Soares a Madrid para comprar a TVI, em nome da PT, com vista a mudar-lhe a orientação? Quem deu instruções a Armando Vara, então administrador do BCP, para fechar o SOL?
Sócrates desencadeou uma ofensiva sem precedentes contra vários órgãos de comunicação social, e agora tem o desplante de se queixar de que não queriam deixá-lo falar? Ainda por cima, ele sabe perfeitamente que, em cima da sua secretária em Paris, há pedidos de entrevista de toda a imprensa portuguesa. Queriam amordaçá-lo? Não brinquemos com coisas sérias.
…
Na SIC Notícias, Sousa Tavares começou a esboçar uma defesa de Sócrates, sendo energicamente rebatido por Gomes Ferreira, que explicou que inúmeros prejuízos, como os das empresas públicas, das empresas municipais ou da Madeira tinham sido atirados para baixo do tapete e não contabilizados. Por isso, as contas de Sócrates eram «uma mentira».
Sousa Tavares ainda proporcionaria um momento hilariante ao dizer que, na era socrática, ninguém se tinha oposto às grandes obras públicas. Ricardo Costa emendou:
- Miguel, a Manuela Ferreira Leite foi sempre contra!
Mas Miguel não se lembrava. Não se lembrava de Manuela Ferreira Leite ter sido contra o TGV, contra o Aeroporto, etc., e até ter feito uma campanha eleitoral inteira a falar contra os grandes projectos, que - segundo ela - «iam lançar encargos brutais sobre as gerações futuras». Enfim, os defensores de Sócrates revelam em alguns temas uma memória tão boa como a do seu patrono.
O momento mais extraordinário daquela noite guardei-o, porém, para o fim. A certa altura da entrevista, José Sócrates disse, mostrando que não tinha nada a esconder:
- Nunca tive acções, nem dinheiro em offshores. Sempre tive a mesma conta bancária.
- Na Caixa Geral de Depósitos -anotou o jornalista Paulo Ferreira.
- Na Caixa Geral de Depósitos - confirmou Sócrates, humilde.
Ora aí, veio-me uma coisa à cabeça: 'Mas eu vi uns cheques de Sócrates doutro banco. Estarei a fazer confusão?'. Fui confirmar. Não estava a fazer confusão: os cheques eram mesmo de outro banco, o Totta, tinham escarrapachado o nome completo do cliente - «José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa» - e eram às centenas! Para que precisaria Sócrates de tantos cheques? Não faço a menor ideia.
A verdade é que há demasiadas interrogações no percurso de José Sócrates. Foi a coincineração da Cova da Beira, os mamarrachos da Câmara da Guarda, o diploma da Universidade Independente, o Freeport, o Face Oculta, o Tagus Parque... A propósito: de nada disto se falou na entrevista.»
Excertos de «Encontros imediatos do 3.º grau», António José Saraiva no SOL
Confesso a minha ambivalência em relação a Sócrates: divido-me entre a repugnância ética e o espanto pela sua extraordinária ousadia e completo despudor, que me ocorre explicar como resultante de uma desconsideração pela inteligência de quem o escuta e em especial dos seus prosélitos, mesmo os que se têm a si próprios em elevada conta (e às vezes também assim são tidos por terceiros), como Miguel Sousa Tavares que, não sendo pateta, faz disso figura na defesa do grande mistificador.
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