02/12/2012

TIROU-ME AS (ALGUMAS) PALAVRAS DA BOCA: «A sociedade civil não se quer libertar do Estado»

«Desde as Descobertas e o monopólio da Coroa, passando pela monarquia constitucional, pelo caciquismo republicano, pela subserviência empresarial do salazarismo, pelo desvario estatizante do gonçalvismo ou pelo amiguismo político da época dos grandes dinheiros europeus, Portugal jamais conseguiu consumar o lema que tantos prometeram: libertar a sociedade civil do Estado. Por várias razões, a principal das quais, todavia, é simples de enunciar: nunca conseguimos libertar a sociedade civil do Estado porque a sociedade civil não se quer libertar do Estado. Não se quer libertar da sua protecção, das suas garantias em vida e por morte, do favor, da cunha, da influência bem negociada, do emprego garantido, do risco garantido, da desresponsabilização, do contrato prometido, da concessão, da empreitada, da privatização à medida ou da nacionalização redentora. Em tudo, rigorosamente tudo, o Estado está presente e, como a natureza humana é como é, o Estado omnipresente comporta-se como mulher de má vida, exposto ao comércio e às ambições de todos. Até ao dia em que o corpo já não suporta tanto cliente e, nesse dia, pedimos que nos resgatem

Estas foram as palavras que Miguel Sousa Tavares escreveu na sua coluna do Expresso e me tirou da boca. É um diagnóstico da sociedade portuguesa, com que só posso concordar. Está aqui o essencial sobre as causas do nosso atraso secular, momentaneamente interrompido por espasmos desenvolvimentistas.

Esgotado o seu stock de lucidez, MST abandona-se, como habitualmente, às suas idiossincrasias e aos seus ódios de estimação e escreve:

«Nos últimos 25 anos, dispusemos de dois momentos únicos para reformarmos o Estado herdado do salazarismo e do gonçalvismo e adequá-lo à medida das suas capacidades e das suas funções: cobrar de quem pode para ajudar quem precisa. E não cobrar mais do que legitimamente deve para ajudar quem não precisa. O primeiro momento foi com os governos de Cavaco Silva, que tiveram condições políticas, económicas, financeiras e sociais jamais vistas e que foram miseravelmente desperdiçadas num fogo-fátuo de novo-rico que, no final, deixou pedras, sim, mas nada mais sob as pedras. E o segundo momento foi há ano e meio, quando esta maioria conquistou o poder com um programa que Paulo Portas resumiu numa frase: criar condições para que nunca mais Portugal tivesse de pedir para ser resgatado. A parte saudável do país estava madura e preparada para isso. A chegada da troika teve o efeito de despertar as pessoas para a consciência dos erros cometidos, das oportunidades perdidas e das consequências que agora teríamos de pagar por tudo isso. E a tempestade perfeita que se formou na cena económica europeia e mundial mais ainda mostrou a quem quis ver que não há tarefa mais urgente do que recuperarmos a nossa soberania e habituarmo-nos a contar apenas com nós próprios. Um bom pai não é aquele que protege os filhos eternamente, mas o que os ensina a tornarem-se independentes

Nos parágrafos seguintes MST dedica-se ao seu exercício habitual de zurzir «Gaspar e o seu adjunto Passos Coelho». Em resumo, cada vez que, após o desvario dos administradores do bordel correligionários de MST, os clientes deixam a mulher de má vida em estado de exaustão, os novos administradores do bordel, que MST abomina, têm uma oportunidade imperdível, segundo MST, para a resgatar e falham miseravelmente. Aponta o dedo a Gaspar e ao seu adjunto que não estão à altura da herança (e até lhe posso dar razão nesse ponto), branqueando a desgovernação dos Guterres e dos Sócrates. É como se desistisse de esperar dos governos socialistas o desempenho do bom pai e esperasse que os governos quase-socialistas do PSD, os padrastos, ensinassem os filhos do outro a serem independentes. É esperar de menos de uns e demasiado de outros. Afinal uns e outros saem da mesma «natureza humana» que em rigor é de alguns humanos e de muitos portugueses.

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