07/12/2012

DIÁRIO DE BORDO: Palavras indignas

«A situação a que chegámos não foi uma situação do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal deixar de produzir; não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi também na indústria, por ex. no têxtil. Nós fomos financiados para desmantelar o têxtil porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha) queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês, basicamente porque ao abrir os mercados ao têxtil chinês, eles exportavam os teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos de produzir.


E, portanto, esta ideia de que em Portugal houve aqui um conjunto de pessoas que resolveram viver dos subsídios e de não trabalhar, e que viveram acima das suas possibilidades, é uma mentira inaceitável. Nós orientámos os nossos investimentos públicos e privados em função das opções da União Europeia: em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que foram dados e em função do crédito que foi proporcionado.

E portanto, houve um comportamento racional dos agentes económicos em função de uma política induzida pela União Europeia. Portanto, não é aceitável agora dizer… podemos todos concluir e acho que devemos concluir que errámos; agora eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral dos portugueses. Não, esse foi um erro do conjunto da União Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira. E é isso que estamos a pagar!»

Estas palavras de António Costa no programa Quadratura do Círculo, no dia 29 de Novembro na SIC Notícias, parecem ter sido muito aplaudidas em diferentes quadrantes. Peço desculpa por discordar, mas a mim parecem-me palavras indignas, por várias razões.

Indignas por que se baseiam em factos deturpados, como insinuar que a Alemanha e outros países financiaram o desmantelamento da indústria têxtil portuguesa, quando qualquer pessoa informada sabe perfeitamente que a indústria têxtil perdeu competitividade porque os sucessivos governos, principalmente os dois de Cavaco Silva, e os industriais, na sua maioria de vistas curtas, apesar de saberem com anos de antecedência do desmantelamento a partir de 1995 do Acordo Multifibras, resultante do Uruguay Round, nada fizeram para se prepararem e enfrentarem com sucesso a concorrência asiática. Em vez de se desenvolverem novos produtos de qualidade incorporando design original e marketing agressivo, continuou-se a estratégia anterior de concorrer pelo preço produzindo marcas estrangeiras e sem capturar as partes mais lucrativas da cadeia de valor.

Indignas porque afirmam que «a União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira», quando praticamente todos os países da EU, com a possível excepção do Reino Unido, defenderam e promoveram as suas indústrias que estão aí para o comprovar - por exemplo, a EU-27 exportou em 2007 cerca de 1,2 biliões de euros de produtos industriais, ou seja o equivalente a quase 8 vezes o PIB português.

Indignas porque é mais um exemplo da cobardia que a generalidade dos políticos portugueses tem demonstrado, cultivando sem pudor as piores fraquezas dos portugueses, a autoindulgência e a procura incessante de culpados para as misérias que se devem a nós próprios e às elites merdosas que deixamos nos pastoreiem.

Indignas, finalmente, porque assumem sem vergonha que a classe política que ocupou os ministérios é miseravelmente incompetente e criminosamente negligente ao deixar o país navegar «em função das opções da União Europeia», sem acautelar o interesse nacional. Nessa classe política se inclui de pleno direito António Costa, com os seus 30 anos de militância socialista e 6 anos nos governos de Guterres.

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