Não me recordo de nenhuma obra do regime com um rácio de derrapagem inferior a 50%. Uma parte significativa derrapou 100% ou mais, o que levaria a concluir que o famoso multiplicador do investimento público não é a relação entre o aumento do produto e o investimento, mas antes a relação entre o custo real da obra e o valor orçamentado, isto é o rácio de derrapagem.
O caso da Casa da Música no Porto é ainda mais extraordinário porque a obra ficou a custar 3 vezes mais do que o orçamentado. O que não é extraordinário é a incapacidade deste elefante branco gerar receitas que ao menos paguem os seus custos de funcionamento, como agora reconhece o administrador delegado quando diz estar o modelo económico da Casa da Música em crise.
Ao mesmo tempo que reconhece a insustentabilidade do elefante, o administrador delegado defende que a fundação é «um excelente negócio para o Estado (porque) em 2011, cada euro que o Estado meteu na CdM transformou-se em quase três». Dir-se-ia que este multiplicador do administrador delegado é talvez a criação mais notável da Casa da Música, porque o rácio entre a venda de bilhetes e o montante dos subsídios do Estado, que o relatório de 2010 nos mostra menos de 1 milhão e 10,5 milhões, respectivamente, é mais de 10 para 1.
Isto é, para vender um euro dos bilhetes pagos pelos 216 mil espectadores e participantes que em 2010 assistiram a espectáculos ou participaram em actividades, a Casa da Música consumiu mais de dez euros do dinheiro dos milhões de não espectadores. Como as receitas do restaurante foram quase 2/3 da venda de bilhetes e os respectivos custos serão apenas uma fracção insignificante dos 3,5 milhões de honorários dos artistas, 1,5 milhões de consultores e 6,7 milhões dos gastos com pessoal, aqui fica uma sugestão de alteração do modelo de negócio: passar de Casa da Música a Casa da Comida.
[Entre os espectadores de 2011 encontrava-se este vosso criado que pode presenciar, durante um concerto de Anne Sofie Von Otter e Brad Mehldau, uma manifestação de labregos aqui relatada – mais um custo intangível a adicionar aos subsídios.]
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