16/11/2011

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Irresistível

Nós, aqui no (Im)pertinências, temos um particular gosto em desfazer ideias feitas. Quaisquer ideias feitas e, em particular, ideias feitas na fábrica de ideias feitas da esquerdalhada. Por isso, espero a indulgência de O Insurgente pela apropriação integral deste post que «I wish I had written (there is no higher praise)» – para usar a boutade egotista de Krugman a propósito de um paper de Paul De Grauwe.

«Mito: A origem da dívida pública está no salvamento dos depósitos do BPN, nas ajudas aos restantes bancos e em gastos com a Defesa Nacional como a compra dos submarinos.
Realidade: Os gastos com a defesa constituem menos de 2% do total do orçamento para 2012. Mesmo assumindo que todos os custos incorridos com o BPN e a compra dos submarinos foram financiados por dívida, o custo dos submarinos corresponde a 0.5% do total de dívida pública e do salvamento dos depósitos do BPN de cerca de 3% do total da dívida. A maioria esmagadora dos gastos do estado, e consequentemente as fontes da dívida pública, são com Segurança Social, Educação e Saúde. Esta é a realidade em Portugal e na Grécia. Apenas no caso da Irlanda se pode dizer que foi o salvamento aos bancos locais que despoletou a crise.


Mito: A austeridade é uma forma de defender os bancos, punindo a população em geral
Realidade: Os bancos de países como a Grécia e Portugal estão já absolutamente descapitalizados. Como resultado desse processo, os principais bancos portugueses valem neste momento um décimo do que valiam há 2 anos atrás, ou seja, os accionistas desses bancos perderam 90% das suas poupanças. Foram eles quem até hoje mais perdeu com a crise da dívida soberana. O dinheiro que hoje vai para os bancos, embora não seja esse o objectivo assumido, é basicamente para garantir o dinheiro dos depositantes. Esse dinheiro é aplicado maioritariamente em dívida pública, e se essa dívida não for paga, os depositantes correm o risco de perderem o seu dinheiro. Qualquer default do estado irá também fazer com que o estado não seja capaz de obter empréstimos por muitos anos. Se a austeridade exigida para atingir défices de 5% é penosa, mais penosa será a austeridade necessária para ter défice zero.


Mito: Os bancos orquestaram a crise para poderem emprestar dinheiro a juros altos enquanto obtêm financiamento do BCE a 1%
Realidade: Os empréstimos do BCE aos bancos são por um dia, renováveis e mediante colateral. Os empréstimos dos bancos ao estado são feitos por prazos prolongados (1, 2, 5 e 10 anos) e sem colateral, pelo que o risco é muito superior. Como prova desse risco, os bancos que emprestaram dinheiro à Grécia perderam metade do montante emprestado.

Mito: A crise da dívida só se resolve se os estados lançarem políticas expansionistas que façam crescer a economia
Realidade: Foram as políticas expansionistas e os défices constantes que trouxeram países como a Grécia e Portugal à actual situação. Se políticas Keynesianas de expansão do investimento e défice das contas públicas funcionassem, nem a Grécia, nem Portugal estariam na actual situação. Ambos os países apresentarem défices públicos de forma permanente nos últimos 10 anos e nem por isso cresceram mais que os seus pares que mantiveram contas equilibradas. Investimentos públicos como o Euro2004 em Portugal e os Jogos Olímpicos na Grécia apenas deram um empurrão temporário à economia, de imediato invertido nos anos seguintes. Pelo contrário, a Irlanda que lançou um plano de austeridade mais cedo e mais agressivo que o Português, já está hoje novamente a crescer e a equilibrar as suas contas. A única forma de relançar a economia é voltar a ter contas equilibradas para que se possam baixar impostos e incentivar o investimento privado.

Mito: Roosevelt resolveu a depressão de 1929 com políticas expansionistas, impondo grandes défices nas contas públicas, e é essa a estratégia que os países europeus devem seguir
Realidade: Muitos académicos contestam que as políticas levadas a cabo por Roosevelt tenham de facto resolvido a Grande Depressão. Alguns estudos apontam para que apenas a tenha prolongado. Mas mesmo assumindo que tal seja verdade, convém notar que o maior défice público incorrido por Roosevelt durante o New Deal foi de 5.5% em 1936. Por comparação, em 2010 Portugal teve um défice de 10.1% e a Grécia de 15.8%. É errado chamar expansão a um défice de 5.5% mas depois reclamar de austeridade quando são impostos défices superiores na Grécia e em Portugal.


Mito: Os mercados são uma entidade bem definida, dominado por poucos agentes com um plano maquiavélico para destruir a Democracia e tomar conta do Mundo
Realidade: Os “mercados” são constítuidos por todos os aforradores e seus representantes que escolhem a melhor forma de aplicar as suas poupanças. A taxa de juro das dívidas soberanas sobe se esses aforradores duvidarem da capacidade de pagamento desses países e por isso se recusem a emprestar-lhes dinheiro. A recusa de muitos investidores em emprestar dinheiro à Grécia que nos últimos dois anos fez aumentar a taxa de juro exigida, acabou por revelar-se certeira, uma vez que a Grécia acabou por acordar não pagar metade dessa dívida.


Mito: Os mercados têm uma intervenção malévola na democracia, sendo as recentes situações na Grécia e Itália um bom exemplo disso
Realidade: O processo democrático levou a uma situação de insustentabilidade financeira para alguns países. Terá que ser o mesmo processo democrático a resolver essa situação. A mudança de líderes na Grécia e na Itália, que foram aprovadas pelos parlamentos eleitos democraticamente, visa atingir esse objectivo. Dizer que os mercados são inimigos da democracia porque os investidores não emprestam dinheiro a líderes que não confiam é o mesmo que dizer que a Física é inimiga da democracia porque não permite que seja revogada a lei da gravidade.


Mito: As agências de rating são culpadas pela crise da dívida soberana por terem baixado os ratings de dívida soberana dos países e dessa forma aumentado os juros da dívida
Realidade: Se alguma culpa pode ser atribuida às agências de rating foi não terem feito downgrade da dívida soberana de países como Portugal e a Grécia mais cedo. Quando os downgrades foram feitos a países como Portugal e a Grécia, já os aforradores e os seus representantes se recusavam a emprestar dinheiro a esses países. Em segundo lugar, nada impede os investidores de continuar a comprar dívida soberana depois de um downgrade se acharem que realmente o país tem capacidade de pagar. Um bom exemplo disso são os EUA que depois de um downgrade de uma agência de rating conseguiram obter empréstimos a uma taxa de juro ainda mais baixa que antes do downgrade.»

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