Nós, aqui no (Im)pertinências, temos um particular gosto em desfazer ideias feitas. Quaisquer ideias feitas e, em particular, ideias feitas na fábrica de ideias feitas da esquerdalhada. Por isso, espero a indulgência de O Insurgente pela apropriação integral deste post que «I wish I had written (there is no higher praise)» – para usar a boutade egotista de Krugman a propósito de um paper de Paul De Grauwe.
«Mito: A origem da dívida pública está no salvamento dos depósitos do BPN, nas ajudas aos restantes bancos e em gastos com a Defesa Nacional como a compra dos submarinos.
Realidade: Os gastos com a defesa constituem menos de 2% do total do orçamento para 2012. Mesmo assumindo que todos os custos incorridos com o BPN e a compra dos submarinos foram financiados por dívida, o custo dos submarinos corresponde a 0.5% do total de dívida pública e do salvamento dos depósitos do BPN de cerca de 3% do total da dívida. A maioria esmagadora dos gastos do estado, e consequentemente as fontes da dívida pública, são com Segurança Social, Educação e Saúde. Esta é a realidade em Portugal e na Grécia. Apenas no caso da Irlanda se pode dizer que foi o salvamento aos bancos locais que despoletou a crise.
Mito: A austeridade é uma forma de defender os bancos, punindo a população em geral
Realidade: Os bancos de países como a Grécia e Portugal estão já absolutamente descapitalizados. Como resultado desse processo, os principais bancos portugueses valem neste momento um décimo do que valiam há 2 anos atrás, ou seja, os accionistas desses bancos perderam 90% das suas poupanças. Foram eles quem até hoje mais perdeu com a crise da dívida soberana. O dinheiro que hoje vai para os bancos, embora não seja esse o objectivo assumido, é basicamente para garantir o dinheiro dos depositantes. Esse dinheiro é aplicado maioritariamente em dívida pública, e se essa dívida não for paga, os depositantes correm o risco de perderem o seu dinheiro. Qualquer default do estado irá também fazer com que o estado não seja capaz de obter empréstimos por muitos anos. Se a austeridade exigida para atingir défices de 5% é penosa, mais penosa será a austeridade necessária para ter défice zero.
Mito: Os bancos orquestaram a crise para poderem emprestar dinheiro a juros altos enquanto obtêm financiamento do BCE a 1%
Realidade: Os empréstimos do BCE aos bancos são por um dia, renováveis e mediante colateral. Os empréstimos dos bancos ao estado são feitos por prazos prolongados (1, 2, 5 e 10 anos) e sem colateral, pelo que o risco é muito superior. Como prova desse risco, os bancos que emprestaram dinheiro à Grécia perderam metade do montante emprestado.
Mito: A crise da dívida só se resolve se os estados lançarem políticas expansionistas que façam crescer a economia
Realidade: Foram as políticas expansionistas e os défices constantes que trouxeram países como a Grécia e Portugal à actual situação. Se políticas Keynesianas de expansão do investimento e défice das contas públicas funcionassem, nem a Grécia, nem Portugal estariam na actual situação. Ambos os países apresentarem défices públicos de forma permanente nos últimos 10 anos e nem por isso cresceram mais que os seus pares que mantiveram contas equilibradas. Investimentos públicos como o Euro2004 em Portugal e os Jogos Olímpicos na Grécia apenas deram um empurrão temporário à economia, de imediato invertido nos anos seguintes. Pelo contrário, a Irlanda que lançou um plano de austeridade mais cedo e mais agressivo que o Português, já está hoje novamente a crescer e a equilibrar as suas contas. A única forma de relançar a economia é voltar a ter contas equilibradas para que se possam baixar impostos e incentivar o investimento privado.
Mito: Roosevelt resolveu a depressão de 1929 com políticas expansionistas, impondo grandes défices nas contas públicas, e é essa a estratégia que os países europeus devem seguir
Realidade: Muitos académicos contestam que as políticas levadas a cabo por Roosevelt tenham de facto resolvido a Grande Depressão. Alguns estudos apontam para que apenas a tenha prolongado. Mas mesmo assumindo que tal seja verdade, convém notar que o maior défice público incorrido por Roosevelt durante o New Deal foi de 5.5% em 1936. Por comparação, em 2010 Portugal teve um défice de 10.1% e a Grécia de 15.8%. É errado chamar expansão a um défice de 5.5% mas depois reclamar de austeridade quando são impostos défices superiores na Grécia e em Portugal.
Mito: Os mercados são uma entidade bem definida, dominado por poucos agentes com um plano maquiavélico para destruir a Democracia e tomar conta do Mundo
Realidade: Os “mercados” são constítuidos por todos os aforradores e seus representantes que escolhem a melhor forma de aplicar as suas poupanças. A taxa de juro das dívidas soberanas sobe se esses aforradores duvidarem da capacidade de pagamento desses países e por isso se recusem a emprestar-lhes dinheiro. A recusa de muitos investidores em emprestar dinheiro à Grécia que nos últimos dois anos fez aumentar a taxa de juro exigida, acabou por revelar-se certeira, uma vez que a Grécia acabou por acordar não pagar metade dessa dívida.
Mito: Os mercados têm uma intervenção malévola na democracia, sendo as recentes situações na Grécia e Itália um bom exemplo disso
Realidade: O processo democrático levou a uma situação de insustentabilidade financeira para alguns países. Terá que ser o mesmo processo democrático a resolver essa situação. A mudança de líderes na Grécia e na Itália, que foram aprovadas pelos parlamentos eleitos democraticamente, visa atingir esse objectivo. Dizer que os mercados são inimigos da democracia porque os investidores não emprestam dinheiro a líderes que não confiam é o mesmo que dizer que a Física é inimiga da democracia porque não permite que seja revogada a lei da gravidade.
Mito: As agências de rating são culpadas pela crise da dívida soberana por terem baixado os ratings de dívida soberana dos países e dessa forma aumentado os juros da dívida
Realidade: Se alguma culpa pode ser atribuida às agências de rating foi não terem feito downgrade da dívida soberana de países como Portugal e a Grécia mais cedo. Quando os downgrades foram feitos a países como Portugal e a Grécia, já os aforradores e os seus representantes se recusavam a emprestar dinheiro a esses países. Em segundo lugar, nada impede os investidores de continuar a comprar dívida soberana depois de um downgrade se acharem que realmente o país tem capacidade de pagar. Um bom exemplo disso são os EUA que depois de um downgrade de uma agência de rating conseguiram obter empréstimos a uma taxa de juro ainda mais baixa que antes do downgrade.»
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