Com o título bombástico «Alemanha oculta 5 biliões de dívida», o Expresso cita o artigo «Die Wahrheit» (A Verdade) do jornal alemão Handelsblatt e informa-nos que «a maior parte das despesas com reformados, doentes e pessoas dependentes na Alemanha não foram incluídas nas contas oficiais», pelo que a dívida pública «pode situar-se nos cerca de 7 biliões de euros, 185% do PIB e não os 83% anunciados».
Fazendo uma confusão de fluxos (despesas) com stocks (dívidas), colocam-se desde logo as maiores dúvidas quanto ao rigor da coisa.
Se esta notícia fosse lida à letra, seria o maior escândalo financeiro alemão desde a inflação da república de Weimar. O problema é qual letra. Quando se lê a Bloomberg faz-se um pouco mais de luz: «there are liabilities of another 5 trillion euros because of shortfalls in the social security and pension funds». E quando a notícia em alemão fala em dívida escondida («die verdeckten Schulden») percebe-se estar em causa a insuficiência dos fundos para financiamento das responsabilidades da segurança social alemã por pensões futuras.
Façamos então o exercício de aplicar os critérios subjacentes à medida da dívida alemã em 185% do PIB às responsabilidades da segurança social portuguesa. Recordemos, para começar, ser o sistema de segurança social português essencialmente um sistema pay-as-you-go em que as pensões do ano são pagas com as contribuições do ano. Existe apenas o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) representando menos de 5% do PIB, fundo este ano nem sequer reforçado cobrindo não mais de 9 meses de pensões.
Em tempos, estimei a olho por cento essas responsabilidades em 4 a 5 vezes o PIB [ver a série de posts «O fim do estado social»: (1), (2), (3), (4)]. Assumindo como bom o limite inferior da estimativa e deduzindo a irrelevância para este propósito do saldo do FEFSS, se a dívida pública portuguesa fosse adicionada das necessidades de financiamento das pensões aumentaria no final deste ano de mais de 100% do PIB (83% no caso alemão) para quase 500% do PIB (183% no caso do alemão com fundos que financiando uma parte significativa das responsabilidades).
A esta luz, a notícia do Expresso é como uma montanha alemã que pariu um rato, escondendo o rato português que irá parir uma montanha.
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