«O euro era maravilhoso, não tinha custos significativos, todos ganhavam, um êxito. Foram quinze anos assim. Famosos economistas portugueses defenderam que o endividamente externo era um almoço grátis. Outros andaram anos a dizer que a subida dos salários por cima da produtividade do factor trabalho estimulava a economia. O clientelismo do Estado era a forma eficiente de promover centros de decisão nacional. Já não falo do comentário quase unânime sobre o maravilhoso e excelente nado-morto Tratado de Lisboa (conhecido pelo famoso "porreiro pá") no final de 2009 (quem dizia que aquilo era uma inutilidade era um ignorante).
Esta mesma gente escrevia há umas três semanas que a reunião de Bruxelas tinha resolvido a crise do euro (quem dizia que não era bem assim tinha que ser ou da esquerda radical ou anti-europeu). O génio europeu tinha uma vez mais salvo a moeda única da malvada conspiração norte-americana (claro que Durão Barroso era o grande timoneiro). Nem duas semanas durou. Provou-se que a análise de todos esses comentadores era simplesmente deficiente e errada pelas razões mencionadas por Posner: falta de trabalho, preguiça intelectual, banalidades e ao serviço de quem manda.
Um outro exemplo é o memorando de entendimento. Quando foi assinado pode contar-se pelos dedos de uma mão quem criticou. A esquerda radical, algum comentador por aí perdido, e pouco mais (como foi público escrevi desde o primeiro momento que para a área de justiça o dito memorando é, no mínimo, problemático). Surpreendentemente, muitos dos analistas e comentadores que andaram a defender o memorando e a criticar quem dizia o contrário, sempre em nome do interesse nacional, descobrem agora que o dito memorando é mau e desdobram-se em propostas de incumprimento. São apoiados pelas múltiplas corporações que coitadinhas são incompreendidas pelos estrangeiros, pelos banqueiros que afinal não querem pagar a factura que a troika lhes deu, pelos defensores dos centros de decisão nacional que advogam outra vez pela velha receita das desastrosas privatizações do cavaquismo e do PS, pela direita pseudo-liberal agora no Governo que descobre que Portugal precisa de 308 municípios, etc. Até admito que algumas das reticências anunciadas sejam adequadas (o programa de privatizações é evidentemente mau porque uma vez assumido o compromisso com a troika, o poder de negociação do Estado para favorecer um bom encaixe financeiro morreu), mas eu não ouvi toda esta gente abrir a boca quando era o momento adequado. E esse momento foi só há três meses. Cambalhotas rápidas num país sem memória.»
[A crise do euro e os nossos especialistas, Nuno Garoupa no Negócios Online]
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