O fim-de-semana passado dei um salto até ao Porto, uma cidade de que gosto bastante e não conheço o suficiente, para assistir ao concerto Anne Sofie Von Otter & Brad Mehldau, na Casa da Música. Foi também um pequeno contributo (30 euros por assento) para ajudar a pagar o tsunami de 228% que varreu o valor de adjudicação deste convento de Mafra do regime socialista.
Não estou arrependido pelos 30 euros. Quer a Von Otter quer Mehldau são dois magníficos executantes, pelo menos para o nível primitivo da minha cultura musical. Como alguém escreveu no folheto que a Casa da Música preparou para o evento, o Mehldau tem uma «personalidade com duas vertentes – o formalista e o improvisador – digladiando-se, e o resultado é algo semelhante a um caos controlado» e isso levou-me, a mim que só o conhecia como músico de jazz, a sentir-me como um Mister Utterson e a vê-lo e às suas duas personalidades com um Dr Jekyll diurno convivendo com Mr Hyde nocturno.
Dei então comigo a cogitar, que também os tripeiros têm duas vertentes aparentemente antagónicas à altura de o médico e o monstro. Por um lado, é a única cidade do país onde qualquer indígena se dispõe bondosa e espontaneamente a ajudar uma criatura alienígena com ar perdido nas suas ruas em triângulo escaleno. Por outro lado, é também talvez a única cidade do país onde, num concerto de música semi-erudita, dezenas de labregos endinheirados entram atrasados na sala com a cumplicidade da organização, sob o olhar genuinamente surpreendido do Mehldau. Como se fosse pouco, outras, ou as mesmas dezenas de labregos, abandonaram a sala durante a segunda parte do concerto, quando podiam tê-lo feito no intervalo onde já deveriam - se não fossem labregos - ter percebido o engano.
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