Depois de dois anos e meio na direcção, durante os quais o Diário de Notícias foi um diário da manhã après la lettre, a passar a mão pelo pêlo a José Sócrates e ao seu governo, João Marcelino começou recentemente a ganhar as suas distâncias, aparentemente a preparar-se para abandonar o barco antes de afundar. Como em tudo na vida, há um momento em que a quantidade se transforma em qualidade (uma bacoquice de Hegel que, contudo, fica bem citar), e esse momento, no caso de Marcelino, foi para mim o seu artigo de opinião de sábado passado que eu nunca teria lido não fosse o blasfemo João Miranda. É um artigo notável, no sentido em que seria notável a conversão ao judaísmo dum islamita.
Nesse artigo, Marcelino denuncia «os governos que nos trouxeram até aqui, engordando o Estado, promovendo o despesismo, empregando os beneficiários da "cunha", doando contratos leoninos aos amigalhaços, aplicando mal os impostos crescentes». Denuncia «confundir convicção com vontade de continuar a mandar seja qual for o custo» e conclui «neste momento não há, na sociedade portuguesa, confiança na classe política».
Por muito tardia que esta conversão de Marcelino me pareça, e parece, tento ver nela um lampejo de esperança. Não tanto de esperança que a verdade venha a revelar-se aos espíritos mais herméticos, mas mais de esperança que o abandono do navio pelos ratos prenuncie o seu afundamento.
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