Em boa verdade vos digo, várias das falhas de carácter de José Sócrates são traços culturais dos portugueses. O vivaço, o chico-esperto com poucos escrúpulos, são estereótipos portugueses. No caso de Sócrates, estas falhas de carácter são servidas por atributos relativamente raros nos portugueses, como a auto-confiança e a determinação ou, talvez mais rigorosamente, a obstinação, que contrastam com a insegurança e o songamonguismo correntes entre os indígenas. Tudo isto faz dele um sujeito condenado ao sucesso, porventura efémero, mas sucesso e, no caso dele, não tão efémero.
Os últimos episódios hoje divulgados pelo Público sobre as trapalhadas dos projectos na câmara da Guarda não acrescentam nada de novo ao que já se sabia. O problema de José Sócrates não mudou, é o mesmo. O que o ameaça não são as inúmeras trapalhadas, nem nunca foram. As trapalhadas apenas criam um ligeiro desconforto entre as elites que o apoiam e deixam indiferente o povo do Estado, como lhe chama Medina Carreira, isto é a chusma de gente que vive pendurada no dito: os funcionários públicos, os empregados das empresas públicas e semi-públicas, os empresários que vivem dos favores do Estado, os reformados, os desempregados, os subsidiados, etc. Ou melhor, deixavam indiferente, porque, com o PEC e o que mais à frente se verá, os apertos que esperam o povo do Estado são tais que essa gente começará a olhar para Sócrates como uma criatura que os conduz para a ruína e nem ao menos é um sujeito sério.
Será nessa altura, já à vista, que as elites começarão a fazer-se de pudicas, a enrolar as bandeiras e a mudar de campo o mais discretamente que puderem. Será, como de costume, um movimento uniformemente acelerado que em pouco tempo retirará ao governo qualquer hipótese de governar. O drama para o país é que os interesses de Cavaco Silva e de Passos Coelho, por muito que possam parecer divergentes, têm de comum que um quer ser reeleito e outro quer ser eleito, o que os faz convergir para o calendário comum. Até lá a situação só pode apodrecer.
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