16/09/2009

Pior a emenda que o soneto – a visão de J. Rogers sobre a génese da crise e a medicina que está a ser usada para a tratar

Excertos da entrevista a Jim Rogers na Veja de 26-08 (*)

Muito se fala que a crise foi a mais severa desde a Depressão dos anos 30. O senhor corrobora essa avaliação?

Para muitos países, foi, sem dúvida. Os Estados Unidos e a Inglaterra sofrerão por muitos anos ainda os efeitos da crise. Não ficarei surpreso se a economia americana tiver uma década perdida. Como muitos pareciam imaginar, no fim das contas os Estados Unidos mostraram que não são uma terra encantada, onde nada de ruim pode acontecer. O país enfrentará, sim, desafios sérios, como já enfrentou no passado. A recessão poderá até se prolongar se o governo americano continuar a cometer erro atrás de erro.

Que erros foram esses?

O maior equívoco foi o fato de o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) e o Tesouro dos Estados Unidos não terem permitido, na última década, que nenhuma grande instituição financeira fosse à lona. Toda vez que alguém se via às voltas com alguma encrenca, chamava logo o Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, e dizia: "Salve-me, salve-me, salve-me!". O governo abraçava a causa e salvava a empresa. Para isso era necessário imprimir mais dinheiro. O Fed e o Tesouro fizeram isso diversas vezes. Por isso são os maiores culpados pela enrascada. Eles sinalizaram que não havia risco, pois sempre correriam ao resgate dos incautos. Em 1998, o Long Term Capital Management (LTCM) enfiou os pés pelas mãos e chegou à beira da falência. Era uma grande empresa de investimentos vitimada por apostas que pareciam espetaculares! Até que sobreveio a moratória russa. O Fed e o Tesouro deveriam ter deixado o LTCM afundar. Teria sido uma lição para todos, e hoje, como resultado dela, o Lehman Brothers (banco de investimentos que faliu em Setembro passado) ainda estaria no negócio e o Bear Stearns (outro falido) também.

Mas não havia o risco de recessão?

Não. O risco maior foi sinalizar para o mercado que eles estavam atuando sob proteção. Isso explica por que muita gente boa assumiu riscos que acabam mais tarde envenenando as instituições financeiras. Em um mercado sem risco os mecanismos de depuração do capitalismo deixam de funcionar e os incompetentes são premiados com a permissão de continuar no jogo quando deveriam ter sido banidos. Aliás, o Fed deveria ter varrido os incompetentes logo depois do estouro da bolha da internet, no ano 2000. Ali também, a pretexto de evitarem a recessão, as autoridades foram frouxas e acabaram permitindo a formação de uma bolha de consumo nos Estados Unidos que insuflou outra bolha especulativa, a do mercado imobiliário. Repetindo, os problemas começaram mesmo depois que o governo americano e seu banco central impediram a falência de quem de outra forma, estaria fora do jogo, sem condições de cometer mais erro! Agora, todos nós vamos pagar por isso durante um bom tempo.

Que efeitos tiveram as ações de emergência da equipe económica de Barack Obama?

O Geithner (Timothy Geithner, secretário do Tesouro) está "por aí" há duas décadas, e veja tudo que já fez. Ele cometeu muitos erros, Esteve envolvido na crise asiática, no fim dos anos 90, quando trabalhava na divisão de assuntos internacionais do Tesouro. Ele ajudou a agravar a crise asiática! Nos últimos anos, antes de ser indicado para dirigir o Tesouro, Geithner havia sido o presidente do Federal Reserve de Nova York, órgão ao qual cabia justamente a supervisão das atividades de Wall Street e dos bancos. Quando esses bancos começaram a apresentar problemas, ele ajudou a resgatá-los, em vez de deixá-los quebrar. Se fosse dar uma nota, diria que Geithner é pior que zero! E o que dizer do Summers (Lawrence Summers, conselheiro económico de Obama)? Foi ele que ajudou a arquitetar o plano de resgate do LTCM em 1998, quando estava no Tesouro, durante o governo de Bill Clinton. Como vimos, isso foi um divisor de águas na história das finanças. Ele marcou o início da era da leniência com os gestores incompetentes e imprudentes. Esses senhores têm agido assim por anos a fio. Eles conseguem estar sempre errados.

Mas alguma coisa certa eles fizeram, pois o risco de falência sistêmica foi afastado, não?

Nós estamos ainda em uma situação de risco sistêmico! O risco vai estar conosco enquanto os bancos forem vistos como instituições grandes demais para que possam ser deixadas à própria sorte quando se metem em encrencas. Durante séculos, sempre foi normal bancos irem à bancarrota. Isso nunca foi o fim do mundo. O correto é deixar meia dúzia de pessoas se arruinar justamente para que outros indivíduos mais competentes apareçam, assumam os ativos bons e comecem tudo de novo. Isso é o capitalismo. Os grupos que tiram do bolso a carta da iminência do risco sistêmico estão apenas dramatizando a situação para tentar conseguir algum tipo de ajuda salvadora. São eles que clamam aos governos: "Salvem-nos, salvem-nos, salvem-nos! Se não fizerem isso, o mundo vai acabar!". É compreensível que ajam assim, porque só o que querem é ser salvos. Qual seria a melhor maneira de agir? Veja o caso dos bilhões de dólares destinados ao resgate de bancos. Se o governo tivesse ajudado apenas os competentes, o resultado teria sido muito melhor. Mas vêm sendo usados recursos para tentar revigorar ativos de má qualidade. Essa ideia mostra que o governo americano atingiu o pico da insanidade. Isso significa enfiar dinheiro pelo buraco! Quanto mais capital for torrado com ativos ruins, menos recursos sobrarão para ser investidos em coisas que realmente contam. A duração dos efeitos danosos da crise é diretamente proporcional aos valores desperdiçados.

Muitos analistas justificam o salvamento dos bancos com base na grande lição deixada pela crise dos anos 30 - a de que agir rápido é fundamental…

Os governos hoje têm sido, de fato, mais rápidos. Mas o problema é que continuam agindo errado. No passado recente, viu-se uma correria para tomar decisões que culminaram em planos de resgate e outros tipos de intervenção. Não raro, passado certo período, muita coisa era refeita. Em algumas situações, gostaria até que eles fossem mais lentos. Assim, levariam mais tempo para agir e, quem sabe, não cometeriam tantos erros e tão rapidamente. Mesmo na década de 30, o país não precisava ter passado por uma retração tão acentuada. Assim como hoje, o problema não foi se o socorro veio cedo ou tarde. O que levou à Grande Depressão foi o fato de os governantes terem cometido erros terríveis. Então, os bons números atuais não podem ser vistos como garantia de que a economia americana está efetivamente se recuperando? Tivemos dez ou quinze anos dos piores excessos já vistos no mercado de crédito - não só da história americana, mas de todo o mundo. Quando se vive um exagero gigantesco como esse, alguém tem de pagar o preço. Não se pode simplesmente acordar de manhã e dizer: "Está tudo bem agora. Vamos esquecer o que foi feito nos últimos quinze anos". É inevitável que os Estados Unidos tenham de sofrer. O grande problema da economia americana é que o consumo e o endividamento inflaram demais. Agora, na tentativa de reverter esse problema, optou-se por mais dívidas, mais consumo e mais empréstimos. É insano imaginar que uma distorção possa se resolver com mais daquilo que foi sua causa original. Os americanos precisam reduzir dramaticamente seu ritmo de consumo, ampliar significativamente sua taxa de poupança e começar tudo de novo. Não estou sugerindo que esse é um processo prazeroso. Mas é o que tem de ser feito.


(*) Co-criador com George Soros do Quantum, o fundo de investimento com maior rentabilidade em toda a história.

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