12/03/2009

O MEU LIVRO DE CABECEIRA: O desconcerto das nações (2)

«A grande falácia da nossa era tem sido a crença de que uma ordem internacional liberal repousa no triunfo das ideias e no desenrolar natural do progresso humano. É uma noção imensamente atractiva, profundamente enraizado na concepção do mundo do Iluminismo da qual todos nós, no mundo liberal, somos produto. Os nossos cientistas políticos postulam teorias da modernização, com estágios sequenciais de desenvolvimento político e económico que conduzem ascensionalmente rumo ao liberalismo. Os nossos filósofos políticos imaginam uma magna dialéctica história, na qual a batalha de concepções do mundo ao longo dos séculos produz, no final, a correcta resposta democrática liberal. Naturalmente, muitos se inclinam a acreditar que a Guerra Fria acabou como acabou simplesmente porque uma melhor concepção do mundo triunfou, como tinha que ser, e que a ordem internacional que hoje existe não é mais do que o passo seguinte em frente na marcha da humanidade vinda da briga e da agressão rumo a uma coexistência pacífica e próspera.

Tais ilusões só são verdadeiras na parte em que são perigosas. Claro que existe força na ideia liberal e no mercado livre. A longo prazo e mantendo-se todos os factores iguais, devem prevalecer sobre as concepções do mundo alternativas, tanto por causa da sua capacidade para proporcionar os bens materiais, como – e mais importante, por causa da sedução de um aspecto mais poderoso da natureza humana, o desejo de autonomia e liberdade pessoal e de consciência.

É também lógico que um mundo de estados democráticos liberais produza uma ordem internacional que reproduza essas características liberais e democráticas. Esse tem sido o sonho iluminista desde o século XVIII, quando Kant imaginou uma «Paz Perpétua» partilhada por repúblicas liberais e construída sobre o desejo natural de todos os povos de paz e de conforto material. Embora alguns possam zombar, essa tem sido uma visão extraordinariamente mobilizadora. O seu espírito animou os movimentos de arbitragem internacional no final do século XIX e o entusiasmo mundial pela Liga das Nações no início do século XX e pelas Nações Unidas após a II Guerra Mundial. Tem sido uma visão assinalavelmente duradoura, não obstante os horrores de duas guerras mundiais, uma mais desastrosa do que a outra, e depois uma longa Guerra Fria que pela terceira vez desfez expectativas de progresso rumo ao ideal.

É um testamento de vitalidade desta visão iluminista o facto de as esperanças numa era completamente nova da história humana se terem apoderado das pessoas com tamanha força depois da queda do comunismo soviético. Mas um pouco mais de cepticismo estava a fazer falta. Afinal, a humanidade tinha realmente progredido tanto? O mais destrutivo século de todos os milénios da história humana estava mesmo a acabar; não estava enterrado num passado profundo, negro e antigo. A nossa era moderna, supostamente iluminista, produzira o maior dos horrores – as agressões maciças, as «guerras totais», as fomes, os genocídios, o conflito nuclear e os perpetradores destes horrores foram os países mais avançados e mais iluminados do mundo. O reconhecimento desta terrível realidade – a de que a humanidade não produziu um bem maior mas apenas formas piores do mal – foi fonte da discussão filosófica no século XX. Que razão haveria para acreditar que depois de 1989 a humanidade estivesse subitamente no ponto de viragem para uma ordem totalmente nova?»


[O regresso da história e o fim dos sonhos, R. Kagan]
(Continua)

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