A propósito do histerismo de alguns jornais (por exemplo o Correio de Manhã) a respeito das menos-valias das aplicações do Fundo de Estabilização Financeira (FEF), convém esclarecer alguns mal-entendidos resultantes da ignorância própria dos jornalistas ou da sua consciente manipulação da ignorância alheia.
A Segurança Social (SS) só não está sujeita à volatilidade dos mercados, seja o mercado de capitais, seja o mercado imobiliário, se adoptar um esquema puro pay-as-you-go em que as pensões do ano são pagas com as contribuições do ano. Com este esquema de distribuição, como existiu até à constituição do FEF, a SS é um esquema Ponzi puro e duro, uma Dona Branca travestida com um ar de respeitabilidade que estas coisas do estado napoleónico-estalinista têm para os portugueses que vivem numa relação de amor-ódio com o dito.
Se a SS adopta um esquema de capitalização, tem que constituir reservas e aplicá-las em activos. O mesmo acontece, a uma escala muito menor, quando as reservas só cobrem uma pequena parte das responsabilidades futuras, como é o caso do Fundo de Estabilização Financeira (FEF) que com os seus 8 mil milhões chegará apenas para pagar pensões alguns anos (poucos). Essas reservas podem valorizar-se (como até agora 2007) ou desvalorizar-se (como em 2008). Tal risco não existiria num regime comunista com preços administrativos fixados pelo ministério do planeamento, que seria a solução ideal, não fora uns pequenos inconvenientes que com os gémeos separados à nascença das Alemanhas Oriental e Ocidental e as Coreias Norte e Sul ficaram mas fáceis de perceber.
A propósito do esquema Ponzi, convém lembrar um facto quase sempre esquecido da génese do endividamento da economia portuguesa - o problema mais grave que vamos ter que enfrentar nos próximos anos. O endividamento resulta, como La Palice diria, das dívidas contraídas por particulares, empresas, banca (para financiar o crédito) e o Estado. Devido à poupança interna evanescente (e à redução progressiva das remessas de emigrantes), o endividamento passou a fazer-se cada vez mais com recurso a empréstimos externos e, por isso, a dívida externa tem vindo a crescer dramaticamente.
A queda da poupança, que se acentuou nos últimos 20 anos e sobretudo desde a introdução do Euro, já vinha do final da década de 60. Com a mudança do regime de capitalização da SS para o de distribuição, a parte das contribuições para a SS destinada a cobrir as responsabilidades por pensões futuras, que até aí constituía poupança compulsiva, deixou de ser investida e passou a financiar o pagamento das pensões do ano. Os saldos positivos até à constituição do FEF foram despejados no OE e torrados nos salários dos utentes da vaca marsupial pública, etc. Com a constituição de FEF em 1989, pelo menos ficou estancado o desvario de usar os saldos da SS para pagar despesas correntes.
Em conclusão, a opção por um regime de capitalização, o único que pode proporcionar os meios financeiros para pagar as pensões no futuro, implica correr o risco da volatilidade dos mercados, com melhor ou pior asset-liability matching e melhor ou pior asset management.
Sobre o tema do endividamento ver o post de ontem «País em vias de subdesenvolvimento».
Sem comentários:
Enviar um comentário