Há qualquer coisa de esquizofrénico nos portugueses e a maleita é particularmente visível nos jornalistas. Comecei a prestar atenção ao fenómeno quando o arquitecto Saraiva, ainda nos seus tempos do Expresso, recuperou do período heróico do cavaquismo («o bom aluno», «Portugal está na moda») uma estirpe que infectou o jornalismo de causas: o culto do «homem novo» português. A infecção é notória nos semanários, onde é representada pelo seu criador no Sol e pelo doutor Nicolau Santos no Expresso.
A causa consiste em animar os portugueses, aumentar a sua auto-estima, supostamente abalada, mostrando-lhes que são tão bons como os melhores, descobrindo por entre as dobras dum tecido empresarial desfiado e carcomido a meia dúzia de empresas aiteque que são a inveja de toda a estranja. Ou desencantando umas dúzias de profissionais jovens, ou de meia idade quando escasseiam os jovens, que dão cartas nas multinacionais, que levam novos mundos ao mundo, e serão putativos paradigmas para as centenas de milhar de songamongas que aboboram por essas repartições e pelos restos de antigas empresas públicas que hibernam no interior das privadas que lhes sucederam.
Nos meios do futebol, onde os nossos patrícios parecem trazer ao colo os respectivos clubes, atinge-se a excelência no ridículo: ele é o Inter (já tinha sido o Barcelona e o Real Madrid) de Luís Figo, ele é o Manchester de Cristiano Ronaldo, ele é o Chelsea de Mourinho, etc.
Vá-se lá saber porquê, os patrícios sentem os olhos da comunidade internacional cravados nas suas costas. É um sentimento bastante patético porque não é difícil perceber a insignificância do país no desconcerto das nações e a imagem de homem doente da Europa, como escrevia o Economist há 2 semanas, que se nos colou.
A mim parece-me evidente que este afagar infantilizante do ego dos portugueses não conduz a mais do que uma satisfaçãozinha preguiçosa e negligente que alimenta o conformismo, apenas contrariado pela iniciativa na montagem de arranjinhos e esquemas para tentar mitigar a desgraça própria, que a alheia é lá com eles (*). Nenhuma pessoa, organização ou sociedade muda nesse estado de auto-consolação.
(*) Eles (socialês)
(1) Os culpados da nossa miséria (dos fascistas aos liberais, passando pelos comunistas e, sempre, os espanhóis, e, em alternância, o governo e a oposição).
(2) Os responsáveis pelo trânsito da miséria para a felicidade (quase todos os referidos).
Antónimos: EU (que não sou parvo e não tenho nada a ver com isso) e NÓS (EU, a minha MÃE, a minha patroa, os putos, os amigos, talvez o clube, e o partido, às vezes).
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