15/08/2006

CASE STUDY: a medicina é mais dolorosa do que a doença (por enquanto)

O insurgente André Azevedo Alves escreve na Dia D do Público de ontem um interessante artigo, aqui transcrito, sobre a transição dum sistema de segurança social baseado na repartição, para um sistema misto em que a componente social seria na mesma base e a componente variável (o excedente) seria capitalizada para cada trabalhador contribuinte para o sistema.

No geral concordo com as suas considerações. Um sistema deste tipo é muito mais equitativo e financeiramente sustentável do que pay-as-you-go em que vivemos. Recorde-se que este último foi introduzido nos finais dos anos 60 e princípio dos anos 70 em quase todos os países europeus, e em Portugal, sustentado nas premissas miríficas da eternidade dum estado de coisas que seria passageiro, como do viu, e apenas tornado possível pela demografia do pós-guerra e os resultados da notável recuperação económica suportada pelo esforço duma geração.

Em relação à escapatória dos custos de transição que o governo alega, para empurrar o problema e a solução mais para frente, como fizeram todos os outros governos que o precederam, André Azevedo Alves não refere que a falácia do governo se sustenta duma questão muito simples frequentemente esquecida: a contabilidade pública não é uma contabilidade de custos e proveitos, com um balanço que reflecte a situação patrimonial e uma demonstração de resultados, mas uma contabilidade de receitas e despesas. Resulta deste pecado original que só são reflectidas nas contas dum ano as despesas liquidadas nesse ano, como em tempos aqui recordei.

É por isso que o governo se preocupa com as consequências naturais da adopção desse sistema misto que o obrigaria a relevar as enormes responsabilidades já incorridas por pensões a pagar e o gigantesco volume das responsabilidades futuras por direitos adquiridos dos actuais activos. É como um icebergue de que se esconde a grande massa submersa. Submersa na incúria, negligência e manipulação fraudulenta do sistema de segurança social a que os governos sem excepção se têm dedicado.

Do relevar dessas responsabilidades decorreria a visibilidade do enorme gap entre a dívida pública nominal e a real. A menos que o governo adoptasse o sistema misto e entregasse à gestão privada o segundo pilar. Mas seria pior a emenda do que o soneto, porque perderia desde logo o volume considerável das contribuições deste segundo pilar, com o qual deixaria de poder financiar o pagamento das pensões em curso.

Não se espere, pois, que este governo, ou qualquer outro que lhe suceda, leve a cabo as dolorosas reformas a não ser quando o horizonte de sustentabilidade da segurança social coincida com seu mandato.

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