Parece haver pelos menos duas versões de paternalismo de estado: a dura e a mole. Para os adeptos da versão dura - a versão tradicional, as criaturas humanas não sabendo cuidar de si e sendo, por natureza, irremediavelmente irresponsáveis, precisam dum estado dirigido por uma liderança iluminada ou, para usar um termo caído em desuso junto com o muro de Berlim, precisam duma vanguarda, que as conduza à sociedade sem classes, ou ao céu, conforme as seitas, e de caminho evite que engordem, morram de Sida, cancro no pulmão, fiquem desfeitos dentro dum chaço, ou sucumbam à libertinagem e ao pecado, conforme as seitas.
A versão mole parte basicamente do mesmo diagnóstico, mas aplica uma diferente medicina. Precisam também do estado para a aplicar, mas em vez de impor aos súbditos a contenção compulsiva das suas tendências suicidas ou pecaminosas, consoante as seitas, concedem-lhe o livre arbítrio mas fazem-nos pagar por isso. Um exemplo clássico (e relativamente benigno) é substituir a adesão legalmente compulsiva aos sistemas de segurança social por uma adesão por defeito com uma cláusula de opting out penalizadora. Para os defensores destas soluções, o funcionamento dos mercados não é suficiente para pastorear as criaturas em direcção aos melhores pastos e acreditam ser indispensável um mecanismo de compulsão imposto pelo estado, sem o que as criaturas não farão as melhores escolhas para si próprias, por fraqueza, por bad judgement, por simples e absoluta incúria. Um exemplo possível começa por ser o pesado imposto sobre o tabaco, suficientemente alto não apenas para pagar o custo excedente do fumador para tratar cancros, catarro, bronquite, enfisemas e outras maleitas que o apoquentam, mas para lhe doer nos bolsos punindo-o por este seu maléfico vício. No final, acaba por ser a proibição de fumar nos locais públicos, hoje os locais fechados, amanhãs os jardins, as praias, os bosques (por causa dos incêndios), as estradas (por causa dos acidentes).
Quando abandonamos as abstracções do liberalismo de salão e descemos ao mundo real, a versão mole não parece inteiramente estúpida. Sobretudo no ponto em que estamos, em que o estado ao mesmo tempo que acalenta e dá colo com subsídios, com caríssimos serviços «gratuitos» de má qualidade (educação, saúde, etc.), de caminho reduz a pó o livre arbítrio das criaturas nessas áreas, fazendo repercutir nos «sujeitos passivos» uma parte significativa do custo das «más» escolhas .
Mas se esperais que vá dissertar sobre este tema num domingo de páscoa, é em vão. Vou apenas acrescentar uma constatação original. Para além daquelas duas versões de paternalismo de estado referidas pelo Economist, a versão mais vulgar na minha (falsamente) modesta opinião é o paternalismo maternal. Os adeptos desta versão prescrevem uma medicina que consiste no estado tolerar e subsidiar os vícios mais malignos à custa da espórtula extraída aos sujeitos passivos, quer eles sejam (medianamente) virtuosos ou (medianamente) viciosos.
Declaração de interesse:
Fumei durante muito anos, mas abandonei o vício há uns 10 anos. Actualmente sou um fumador passivo e um sujeito passivo, sendo que esta segunda qualidade é, de longe, a que me sai mais cara.
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