Anda por aí uma polémica a propósito do Abrupto ter malhado «o atraso, a pobreza, a ignorância, a arrogância presumida, a hipocrisia, os péssimos costumes da classe média» e (pecado mortal) «o cinismo dos intelectuais» perante as poucas-vergonhas da «saga da fugitiva libertada», isto é da «Fatinha» de Felgueiras.
«Pacheco Pereira não tem razão», diz o blasfemo João Miranda porque, explica, «a regulação das sociedades modernas não pode depender da ética individual, mas da qualidade da lei e das instituições de justiça. O bom funcionamento do sistema democrático não pode depender da virtude dos políticos nem da pressão da opinião pública mas de um sistema de checks and balances.»
A uma criatura desalinhada, desconforme, herética e heterodoxa (e homofóbica, mas isto agora não vem à colação), como o gerente do Impertinências, esta polémica, como muitas outras polémicas que por aí circulam na Bloguilha, parece-me desfocada.
E se de repente nenhum tivesse razão ou, o que é quase o mesmo, a tivessem ambos?
É certo que é puro idealismo bucólico esperar que os políticos sejam uns cidadãos impolutos, sobretudo numa democracia pouco espessa como a nossa e no estado actual das coisas, que naturalmente deriva da pouca espessura, em que a carreira política atrai a mediocracia e não a meritocracia, porque os mecanismos de anti-selecção estão lá todos montados (cito só as juventudes partidárias, esses alfobres de oportunismos e refúgio de nulidades palavrosas).
Mas donde nos virá a benção da regulação independente da ética individual, a qualidade da lei e das instituições de justiça e o famoso sistema de checks and balances? Alguém que me explique? Voltará Moisés com outras tábuas aqui ao nosso torrãozinho natal para nos revelar as regras que o povo, que não se governa nem se deixa governar, aceitará avidamente?
Se não se fazem omeletes com receitas mas sem ovos, também não se fazem democracias sem democratas, nem leis justas sem legisladores justos, nem sociedades civis onde impera a ética sem uma massa crítica de gente séria.
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