Por instinto resisto a ler best sellers. Prefiro que o tempo depure as trivialidades, poupando-me leituras. É por isso é que ando sempre atrasado e fora de moda. Dois exemplos: só li o Ulisses uns bons 70 anos depois do Joyce o ter escrito e ainda hoje estou à espera que a Odisseia ganhe pátina.
Talvez por influência dos eflúvios que emanam do local quebrei a regra e, enquanto esperava que a pitonisa bebesse o seu Kassotis, dei comigo a ler o Portugal, Hoje - O Medo de Existir de José Gil.
Quase desisti, atolado na prosa evasiva dos primeiros capítulos, contaminados pelo jargão tipo emplastro. Aquela treta da não-inscrição estava a tornar-se demasiado enjoativa para um sujeito pragmático, que espera ver problemas identificados, soluções desenhadas e acções planeadas, que fica ouriçado com a «problematização», como se os problemas não fossem já de si suficientemente difíceis para haver necessidade de os complicar.
A coisa começou a interessar-me por volta do 5º capítulo («O pequeno infinito») - nessa altura estavam os sacerdotes a retorcer a profecia para a tornar ainda mais enigmática, mais ou menos o mesmo que José Gil estivera a fazer nos primeiros capítulos. Nesse 5º capítulo o doutor Gil identifica o que chamou o esvaziamento da fala como um dos traços característicos da alma lusitana.
Agora sim, estava perante uma arguta observação do autismo dos portugueses que falam, frequentemente ao mesmo tempo, a maior parte das vezes sobre trivialidades, saltitando de tema para tema, com um falatório dispersivo, incapazes de se focalizar, tudo isto sem se escutarem uns aos outros.
Não é só nas mesas-redondas, onde as luminárias peroram obsessivamente cada uma para si num ruidoso cacarejar. Também no quotidiano dos portugueses isso é visível, isto é audível. Mesmo nos meus amigos, que são quase todos portugueses mais ou menos descentrados e atípicos, está presente o esvaziamento da fala.
(Para ser honesto, suspeito que também estou contaminado)
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