25/02/2005

DIÁRIO DE BORDO: Danos punitivos

Ontem fui ver Million dollar baby. O velho Clint está cada filme mais refinado e este seu último é um produto duma oficina depuradíssima. Devia ser obrigatoriamente visto 100 vezes por todas as criaturas que vão pedir um subsídio ao IPC - quero dizer, antes da extinção do IPC, que ocorrerá o mais tardar no ano 2057 quando o primeiro governo liberal tomar posse.

Million dollar baby, que é uma história de amor segundo Clint Eastwood (para mim é mais sobre a redenção), está a anos-luz duma outra história de amor, xaroposa e piegas, «The Bridges of Madison County» que ele fez há 10 anos, ainda com a oficina em construção. Não sei se é por acaso, mas era alemã a cabra que mandou Mo Cusha para o hospital com os seus golpes sujos. Mo Cusha ou Maggie Fitzgerald, o sangue do sangue do treinador Frankie Dunn - Clint himself. O destino, ou o script, mandou que Mo Cusha não tivesse tempo de dar cabo do coiro da cabra, infligindo-lhe danos punitivos, à força de lhe esmurrar a ciática.

Madison County? Lembra-me alguma coisa. «Erin Brockovich». Mas o que tem «Erin Brockovich» de Steven Soderbergh a ver com Madison County de Clint Eastwood?

O filme de Soderbergh conta a estória real (enfim, mais ou menos real) duma heróica mãe solteira e desempregada (o casting na vida real era mais perfeito do que no filme) que quase sozinha conduziu uma luta contra a Pacific Gas & Electric Company. Tratou-se de conseguir que esta indemnizasse os habitantes duma localidade cujas águas foram criminosamente contaminadas por resíduos tóxicos emitidos pela PGEC. Erin conduziu com sucesso uma class action (uma espécie de acção popular no direito português, creio). A PGEC que foi condenada não só pagar os danos causados, como ainda a pagar pelo conceito de punitive damages milhares de milhões de dólares.

[Punitive damages]
Este singular dispositivo do direito americano, em absoluto alheio ao legítimo ressarcimento dos danos sofridos, foi inventado por advogados, pagos a peso de chorudos success fees, coligados com as brigadas do politicamente correcto (alguns dos advogados são membros das brigadas, tal como os nossos guerreiros ambientalistas que a seguir às batalhas vão dar pareceres de impacto ambiental). Na divisão de trabalho as brigadas ajudavam a arregimentar os supostos lesados aliciando-os com os milhões que iriam receber. O sucesso da operação dependia das brigadas conseguirem aliciar também as mentes dos jurados (coisa fácil porque se tratava de punir os «capitalistas»).

É aqui que entra o Madison County de Clint Eastwood, que aliás nada tem a ver com o assunto, salvo que Madison County é um dos counties onde o esquema de extorsão dos «capitalistas» estava mais bem montado e, por isso, o seu tribunal foi inúmeras vezes palco de circos punitivos donde saírem muitos milhões.

Tem sido assim. Vai deixar de ser. Nos intervalos das guerras, o presidente Bush também se ocupa de outras coisas como inspirar o Class Action Fairness Act, aprovado a semana passada no Senado por uma maioria que incluiu muitos democratas que perceberam a importância de mitigar a extorsão organizada. Extorsão que é paga no preço dos produtos pelos clientes das empresas condenadas.

A solução não é perfeita, mas pelo menos os casos de lesados de diferentes estados quando o pedido total exceder US$ 5 milhões serão julgados em tribunais federais, mais imunizados à chantagem politicamente correcta, reduzindo a extorsão a proporções mais modestas.

1 comentário:

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