Estória
Na discussão parlamentar do Orçamento para 2004 foram produzidos inúmeros discursos mais ou menos delirantes, quer das bandas do governo, quer da oposição.
O governo foi atacado, uma vez mais, por ignorar a vida além do orçamento, como disse o presidente da República faz um tempo. A ministra das Finanças, teria sido vitimada pelo assédio das luminárias da oposição, não fora a sua colher de pau as manter a uma respeitosa distância.
A oposição que tem zurzido o governo por se obcecar com a redução do défice, acusou-o agora, pelo boca do Eng. Cravinho, do delito de intenção de, em 2005 e 2006, regressar aos défices eleitoralistas, numa explosão definitiva do mito da consolidação das finanças públicas sob o actual Governo. É como se a Doutora Amélia, que se tem metido com o marialvismo do Impertinente, antecipando a conversão do Impertinente a conviver com o seu lado feminino, o começasse a malhar, à cautela e por conta, chamando-o de futuro amaricado.
Mas não se ouve a oposição a reclamar do governo a substituição da cosmética das receitas extraordinárias por cortes à séria nas despesas correntes, emagrecendo o gigantismo da vaca marsupial pública (ver a definição no Glossário).
Introduzida a questão, o Impertinente lembrou-se de ir ao arquivo morto desenterrar, no número de 3 de Julho de The Economist o artigo I'm going to gut it, ilustrado por uma foto do Dr. Durão Barroso.
O emprego é para toda a vida. O despedimento é contra a lei. A promoção é automática. O salário é acima da média; estão garantidos aumentos regulares. O desempenho é sempre avaliado 10 numa escala de 0 a 10 escreve o jornalista e, interroga-se ele a seguir, trata-se de um lugar para uma única alma particularmente feliz? Não exactamente, acrescenta, mais de 708.000 trabalhadores que constituem o sector público português, 15% da população activa, estão empregados nestas condições invejáveis.
E, perante essa felicidade para as almas e esta desgraça para o país, o que fazer? O sugestivo subtítulo pode dar-nos algumas pistas: O primeiro ministro de Portugal planeia uma poda drástica e oportuna (Portugal's prime minister is planning a drastic but timely pruning).
Nada mais necessário. Mas como? O primeiro ministro garante que tudo isso acontecerá sem despedimentos, conclui o jornalista.
Chegado a este ponto, fiquei um pouco confuso sobre a semântica da coisa e fui a correr consultar o Grande Dicionário de Cândido de Figueiredo, que mora aqui no meu leitor de CD, e confirmo que poda é o que eu suspeitava: acto ou efeito de podar; corte ou diminuição; lenha constituída pelas vides que se cortam na poda. Nada esclarecedor. Contudo, logo a seguir, encontrei a resposta para as minhas inquietações - o significado simbólico da poda, como em saber da poda, conhecer bem o assunto, entender do ofício.
Agora, sim, percebe-se. O primeiro-ministro conhecendo bem o assunto e entendendo do seu ofício, sabe perfeitamente que não vai haver poda nenhuma, que, a haver, lhe faria perder irremediavelmente as próximas eleições.
Moral
Poda tardio, semeia temporão, acertarás quatro anos e um não (sabedoria popular)
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