07/11/2003

Estórias e morais: Quem sabe da poda, não poda, para não ficar podado.

Estória
Na discussão parlamentar do Orçamento para 2004 foram produzidos inúmeros discursos mais ou menos delirantes, quer das bandas do governo, quer da oposição.
O governo foi atacado, uma vez mais, por ignorar a vida além do orçamento, como disse o presidente da República faz um tempo. A ministra das Finanças, teria sido vitimada pelo assédio das luminárias da oposição, não fora a sua colher de pau as manter a uma respeitosa distância.
A oposição que tem zurzido o governo por se obcecar com a redução do défice, acusou-o agora, pelo boca do Eng. Cravinho, do delito de intenção de, em 2005 e 2006, regressar aos défices eleitoralistas, numa explosão definitiva do mito da consolidação das finanças públicas sob o actual Governo. É como se a Doutora Amélia, que se tem metido com o marialvismo do Impertinente, antecipando a conversão do Impertinente a conviver com o seu lado feminino, o começasse a malhar, à cautela e por conta, chamando-o de futuro amaricado.
Mas não se ouve a oposição a reclamar do governo a substituição da cosmética das receitas extraordinárias por cortes à séria nas despesas correntes, emagrecendo o gigantismo da vaca marsupial pública (ver a definição no Glossário).
Introduzida a questão, o Impertinente lembrou-se de ir ao arquivo morto desenterrar, no número de 3 de Julho de The Economist o artigo I'm going to gut it, ilustrado por uma foto do Dr. Durão Barroso.
O emprego é para toda a vida. O despedimento é contra a lei. A promoção é automática. O salário é acima da média; estão garantidos aumentos regulares. O desempenho é sempre avaliado 10 numa escala de 0 a 10 escreve o jornalista e, interroga-se ele a seguir, trata-se de um lugar para uma única alma particularmente feliz? Não exactamente, acrescenta, mais de 708.000 trabalhadores que constituem o sector público português, 15% da população activa, estão empregados nestas condições invejáveis.
E, perante essa felicidade para as almas e esta desgraça para o país, o que fazer? O sugestivo subtítulo pode dar-nos algumas pistas: O primeiro ministro de Portugal planeia uma poda drástica e oportuna (Portugal's prime minister is planning a drastic but timely pruning).
Nada mais necessário. Mas como? O primeiro ministro garante que tudo isso acontecerá sem despedimentos, conclui o jornalista.
Chegado a este ponto, fiquei um pouco confuso sobre a semântica da coisa e fui a correr consultar o Grande Dicionário de Cândido de Figueiredo, que mora aqui no meu leitor de CD, e confirmo que poda é o que eu suspeitava: acto ou efeito de podar; corte ou diminuição; lenha constituída pelas vides que se cortam na poda. Nada esclarecedor. Contudo, logo a seguir, encontrei a resposta para as minhas inquietações - o significado simbólico da poda, como em saber da poda, conhecer bem o assunto, entender do ofício.
Agora, sim, percebe-se. O primeiro-ministro conhecendo bem o assunto e entendendo do seu ofício, sabe perfeitamente que não vai haver poda nenhuma, que, a haver, lhe faria perder irremediavelmente as próximas eleições.
Moral
Poda tardio, semeia temporão, acertarás quatro anos e um não (sabedoria popular)

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