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03/09/2014

Pro memoria (191) - Danos colaterais da falência do GES (2)

Uma continuação de (1)

Há pessoas ou instituições a quem não se pode tirar a nódoa da caderneta pelo que se passou no GES em geral e no BES em particular. No topo da lista somos obrigados a colocar o DDT Ricardo Salgado, seguido dos seus mais próximos acólitos que ocuparam os cargos de administração nas empresas em que se verificaram «irregularidades» (chamemos-lhe assim para evitar chocar as almas sensíveis) e que nelas intervieram ou consentiram que tivessem lugar.

A seguir na lista devemos colocar os órgãos de fiscalização dessas empresas (no caso do BES a Comissão de Auditoria, recheada de sumidades) que tinham obrigação legal de fiscalizar e denunciar «irregularidades», tinham responsabilidades legais na nomeação do ROC (Revisor Oficial de Contas) e na fiscalização da revisão de contas.

Logo a seguir aos órgãos de fiscalização, vem o ROC, que no caso do BES é a KPMG - em rigor uma sua subsidiária que é uma SROC (sociedade de revisores oficiais de contas) -, que desempenha também o papel de auditor e tem a obrigação legal de aplicar as «Normas Técnicas de Revisão Legal de Contas» e deveria ter identificado todas as «irregularidades» e não poderia ter emitido uma certificação legal de contas sem reservas, como fez.

E chegamos assim ao Banco de Portugal, a quem de acordo com a sua Lei Orgânica (Lei 5/98, de 31 de janeiro, com sucessivas alterações), «compete a supervisão das instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de centralização de riscos de crédito, bem como aplicando-lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva, nos termos da legislação que rege a supervisão financeira». Como se vê, o BdeP não é uma espécie de backup dos órgãos de fiscalização e do ROC a quem compita fiscalizar o que os órgãos de fiscalização não fiscalizam ou rever as contas que o ROC não revê. Não há nem pode haver em país algum supervisão sem fiscalização pelos órgãos sociais e revisão pelo ROC. A responsabilidade do BdeP a este respeito é uma responsabilidade de segunda linha e consiste em tomar medidas que garantam que a fiscalização e a revisão são feitas de modo adequado.

É claro agora que o BdeP pode não ter tomado as medidas certas no momento certo, e por isso deve ser responsabilizado, mas confundir estes papéis, é parecido com responsabilizar um polícia pelo crime cometido por um criminoso. Pode ser muito conveniente para limpar a caderneta do criminoso mas não é sério.

É neste contexto que se deve julgar a decisão da KPMG de emitir agora um «relatório de revisão limitada» por considerar que «não foi possível obter prova suficiente e apropriada para proporcionar uma base para a emissão do presente relatório sobre a revisão semestral». Admitamos que a KPMG não teve de facto, agora, acesso a «prova suficiente e apropriada». Tê-la-á tido durante os vários anos em que emitiu sem quaisquer reservas relatórios de revisão e certificações legal de contas com «irregularidades» de milhares de milhões?

Acresce que a KPMG não relevou uma insuficiência de capital do velho BES, que agora se pode estimar em muito mais de 5 mil milhões se somarmos aos 4,9 mil milhões injectados pelo Fundo de Recuperação no Novo Banco os capitais próprios negativos do velho BES. Como explicar o súbito escrúpulo de concluir agora que o Novo Banco pode não ter os capitais suficientes?

Como podem estas conclusões tardias compreender-se ao mesmo tempo que a mesma KPMG (será de facto a mesma?) continua a não assumir qualquer erro ou omissão na revisão durante repetidos anos das contas do velho BES?

1 comentário:

Carlos Conde disse...

Quem leu um relatório de um ROC sabe que é um documento que salvaguarda o seu autor, desresponsabilizando-o totalmente.
Por outro lado, quem conhece as rotinas do trabalho de auditoria, sabe que, só muito raramente não é detectada uma irregularidade cometida.
Este caso do BES está a reunir todos os elementos para ficar na história como uma burla descomunal, mas também ficar na história pela conivência e compadrio das entidades reguladoras e de supervisão com os burlões.
A KPMG não é incomodada e o administrador Joaquim Góis já lá está de novo, agora no Novo Banco!!!
Hoje liquidei os últimos DP que lá tinha...